Há textos em que, assim que os começo, aparece uma vozinha lá no fundo da minha cabeça a gritar, alto e bom som: "NÃO ESCREVAS SOBRE ISSO! ISSO VAI DAR MERDA!" Só que, como o senso comum nunca foi muito o meu forte, eu lá os acabo e publico aqui neste espaço. Por acaso, o primeiro em que aconteceu isso não gerou a celeuma que eu receava (basicamente porque ninguém lê esta merda); todavia, como agora vou dar uma bordoada bem forte num autêntico ninho de vespas, não me devo safar. Bem, olhem, amiguinhos, tive muito gosto, etc e tal.
A nossa sociedade tem-se vindo a alterar ao longo dos anos, fruto da evolução própria das coisas, mas tem sido uma evolução que tem dado errado em diversos patamares. E num deles é a dita questão do ambiente. E começo com uma admissão: sim, o meio ambiente está doente, fruto de centenas de anos de atropelos ambientais com efeitos já a médio e longo prazo que podem colocar em causa a habitabilidade deste terceiro calhau a contar do Sol (e logo agora que descobrimos que conseguimos desviar meteoros perigosos sem ser preciso mandar dois vaivéns cheios de homens e máquinas de perfuração, nem chamar os Aerosmith para fazerem a música de acompanhamento da missão!). Tem-se feito muito mal a este planeta sem se pensar no dia de amanhã nem no planeta que vamos deixar aos nossos descendentes. Até aí, tudo certo.
O problema começa quando começamos a ver a espécie de jihad iniciada por grupos organizados de pessoas contra alvos pré-determinados. Atirar sopa contra obras de arte envergando t-shirts "Just Stop Oil" (Parem com o Óleo, numa tradução rasca)? Colarem-se a carros? Se a ideia é aparecerem nos noticiários de todo o mundo (e em constituírem material para programas humorísticos), parabéns, a manobra é um sucesso, mas em termos de efeitos práticos isso faz zero pelo ambiente. Alertar para os problemas que existem no mundo? Acho que os noticiários já se encarregam disso ("mas esses são controlados pela máquina capitalista e consumista que governa o mundo!", até parece que vos oiço dizer…). Mas não vejo utilidade em servir de "pega-monstros" no Museu do Louvre. A não ser que o objectivo seja mostrar "olhem para mim, preocupo-me tanto com o ambiente que até me colei à Mona Lisa com uma t-shirt da minha organização ambientalista!"
Neste município em que habito e trabalho, é fácil ganhar-se créditos no eco-fundamentalismo: basta dizer-se que se é contra as estufas e contra os eucaliptos. Atenção: não estou com isto a dizer que sou a favor da existência de estufas e de explorações agrícolas em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina; lembro-me de uma reportagem sobre o caso, há meses, talvez na SIC, em que apareceu um responsável do PNSACV a falar e que até dava vergonha alheia só de ouvir, coisinha mais subserviente às empresas não conseguiriam arranjar. Diz-se que a exploração intensiva dos territórios está a matar o sudoeste alentejano, e eu acredito nisso – aliás, fiquei surpreso quando vim a saber que iam ser colocadas ainda mais estufas na zona do Brejão, se não me engano – e que as empresas são responsáveis por imensos crimes lesa-ambiente e contra os direitos humanos, com imigrantes ilegais a serem traficados de Bangladesh, Índia, Nepal, Paquistão e zonas limítrofes para trabalharem nas estufas por cascas de alho. Esse tem sido o segredo mais mal-guardado desde que se descobriu que o Putin era um homicida tresloucado ("Então se vês problema nisso tudo, qual é o teu problema?", perguntarão os críticos). O problema é que enchem-se posts no Facebook cheios de indignação com tudo o que se passa ao redor das estufas, fazem-se manifestações e quejandos… e vê-se poucos ou nenhuns resultados práticos, pois a laboração continua, os migrantes continuam a trabalhar nas estufas, e, de um modo geral, nada muda. Eu juro que, num Universo alternativo, gostava que os mais veementes protestantes contra o actual status quo no PNSACV pudessem ser mandantes e ditar as leis no município sobre o que ao meio ambiente diz respeito. Tenho um palpite que as coisas não se alterariam mormente – mas lá está, não passa de um palpite, pelo que nunca virei a saber se estou certo ou não.
Sobre os eucaliptos, a questão tem sido mais pacata, mas ainda gera celeuma por se plantarem e ainda existirem vastas centenas de hectares de eucaliptal nesta serra, uma vez que o eucalipto causa a seca dos terrenos e é uma árvore sinónima do capitalismo, secando tudo ao seu redor. Nesta questão, lamento imenso mas não consigo ser contra a sua existência no Alentejo. É que o ser-se contra o eucalipto é, acima de tudo, uma questão ideológica: basta dizer "não ao eucalipto!" para sermos considerados pessoas de bem e preocupadas com o ambiente… e ninguém se preocupa na economia da região que depende da existência de florestas de eucalipto, dos operadores de serras que os cortam quando já têm tamanho suficiente, dos operadores das máquinas que os carregam para os camiões, dos condutores de camiões que levam os troncos para as fábricas, dos vendedores e mecânicos de serras que as arranjam quando elas avariam… e dos donos dos terrenos que sempre recebem alguma coisa por venderem os eucaliptos à empresa (os terrenos que não são pertença da empresa, atente-se). Porque qual é a alternativa a ter-se um terreno com eucalipto? Fazer-se um projecto de sobreiros ou de medronheiros, porventura, pois são árvores autóctones. Mas demora tempo até se obter retorno desse investimento (se sobreviver à seca que cada vez mais vai invadindo este Sul), e é preciso limpar-se os terrenos todos os anos (ou a cada dois anos) para que o mato não invada o terreno; depois os donos dos terrenos morrem e os filhos não querem saber daquilo para nada pois vivem na cidade, deixam as propriedades entregues ao mato selvagem ("ao menos é autóctone", direis) e é um piscar de olhos até os terrenos terem mato maior que a altura de um homem e trazerem até à beira dos poucos terrenos habitados bichos selvagens que estragam as culturas… Talvez esteja ver as coisas por um prisma errado: ao contrário de muita gente, não digo que sou o dono da razão, nem tento evangelizar ninguém, apenas debito para aqui ideias minhas (e más, daí isto ser "Disfunções Mentais"); mas gostava de saber quais são as ideias que a malta da brigada ecológica tem para todos os trabalhadores que retiram o seu sustento das florestas de eucalipto. Mandam-se para a rua? Detona-se a economia de uma região onde há pouco emprego em nome da ideologia bacoca que apregoa aos sete ventos que “o eucalipto é mau e deve ser banido para todo o sempre”?
O meu medo é que, derivado da inocuidade de muitos dos protestos que têm sido feitos, se queira passar para o nível seguinte e se comece a orquestrar e levar a cabo atentados em nome do ambiente. Talvez seja uma loucura, admito, mas vejo fanatismo suficiente em alguma gente para imaginar que não haverá problemas em se colocar uma bomba numa refinaria de petróleo, por exemplo, ou numas estufas, para se marcar uma posição bem mais ruidosa sobre o ambiente e causar danos em quem causa danos no meio ambiente.
Voltando à questão dos protestos, é mesmo aí que toda a hipocrisia fica exposta: vemos milhares de miúdos em todo o mundo a carregar cartazes (de papel ou cartolina, mas também umas tabuletas de madeira), a desfilarem rua fora registando o momento nos seus telemóveis topo de gama (feitos em fábricas situadas em países onde a mão-de-obra custa umas cascas de alho, com baterias de lítio, o mesmo lítio que supostamente é tão mau que nem sequer se pode extrair em Portugal porque dá cabo do ambiente, anulando os possíveis postos de trabalho que pudessem vir a ser criados) e partilhando nas redes sociais. O que acontece depois do desfile? Claro, todos os cartazes vão entulhando os contentores do lixo ou ficam abandonados no meio da rua, o que derrota um bocado (“bocadinho”) o propósito de se fazer uma marcha pelo meio ambiente… mas talvez seja eu a ser tacanho.
Admito que às vezes eu próprio faço um protesto ecológico: quando paro o carro à beira da estrada para aquele aliviozinho da bexiga e tenho tempo, paro um bocado para recolher o lixo que se encontra nas redondezas, garrafas de vidro e plástico essencialmente mas não só, e levo-o para o ecoponto mais próximo. É um protesto silencioso e sobre o qual coloco exactamente zero fotografias nas redes sociais – assim falhando o objectivo de parecer que me importo com o meio ambiente. Mas ao menos fico no meu mundinho a achar que tive relevância para ajudar a reduzir um nadinha a minha pegada ecológica. Nós, os malucos, contentamo-nos com pouco.