As redes sociais, em especial aquele esgoto horroroso chamado Facebook, são um belo e esclarecedor espelho de como somos um povo fã de aparências, do falar bem e do fazer publicações para o “like”.
Esta introdução serve para praticamente tudo, mas hoje vou utilizá-la para lançar uma questão que me deixa um nadinha azedo (“também ficas azedo com qualquer merda!”), que é olhar para aquelas pessoas que abandonaram a sua terra natal à busca de uma vida melhor, depois vão para os grupos dos naturais dessa terra dizerem-se cheios de saudades da sua terra natal… sem, contudo, voltarem a lá colocar os pés.
Vamos por partes. Nada tenho contra quem teve de sair das aldeias, do Interior, de Portugal, rumo à cidade ou ao estrangeiro em busca de condições de vida dignas, quiçá de constituir família e que, com o passar dos tempos, acaba por se fixar nessa nova terra e tornar-se “natural” dessa terra. É algo perfeitamente normal e natural da condição humana procurarmos o nosso bem-estar, e se não o encontramos nas imediações temos de ir atrás dele. O que me irrita solenemente é olhar para os grupos (ou comunidades, agora…) de naturais e amigos da minha aldeia (ou “da aldeia de onde são os teus pais e que tu adoptaste como tua”) e, a cada publicação que lá é colocada, seja uma fotografia antiga, um vídeo ou a publicidade a um evento futuro, ver pessoas que nasceram na aldeia mas que estão longe a repetirem o mesmo discurso de “minha rica terra tenho tantas saudades do monte onde nasci da fonte onde íamos a água saudades muitas saudades” e que, em 52 semanas que o ano tem, não conseguem arranjar uma que seja para visitarem a terra que os viu partir, nem sequer no período das festas que é o mês de Agosto. Ainda por cima quando nessa altura existem tantas actividades para ocupar o tempo de quem nos visita (e nisso esta minha freguesia é abençoada). Será que as pessoas ganham pontos nisto do jogo da vida se mostrarem que têm “saudades muitas saudades”? Likes claro que ganham, e também uma chuva de comentários “é verdade amigo/a outros tempos que já lá vão um dia temos de nos encontrar” e seus derivados, e claro está que as redes sociais não passam de uma feira de vaidades onde todos nós fingimos ser os maiores da nossa rua mesmo que não tenhamos onde cair mortos, mas… vale mesmo a pena fazer estas figuras? Ainda por cima deixando ao abandono as casas e os montes onde nasceram e foram criados, onde tiveram as primeiras brincadeiras e onde começaram a ser gente? Como é que podemos dizer que temos “saudades muitas saudades” da nossa terra natal e depois deixamos que a casa que era dos nossos pais (e algumas mesmo dos avós) degradar-se e ruir, que os terrenos que dantes eram cultivados fiquem entregues às estevas e às silvas?
Todavia, há ainda um grupo de pessoas que me consegue deixar ainda mais azedo: são os que, para além das características acima referidas, ainda se acham no direito de dizerem aos “pacóvios” que ficaram na terra natal (ou aos que saíram e entretanto já regressaram) como devem viver. Lembro-me de um episódio que aconteceu há semanas, aquando da realização da feira anual da aldeia, em que, entre os comentários pejorativos derivados do facto de as barracas de tendeiros não serem muitas (intercalados por comentários de “saudades dos tempos que a feira tinha gado era uma animação ver os rebanhos de gado saudades muitas saudades” e de “saudades das feiras de antigamente essas é que eram boas o tempo tudo leva saudades muitas saudades”) surgiu uma pessoa a dizer que a feira devia de se reinventar para o século XXI. Muito bem, disse eu, então que ideias sugere para a feira?
*som de grilos*
E é isto. Dizer que “tem de se fazer!”, todos dizem, rasgam as camisas e batem no peito a dizer que amam a terra que os viu nascer mas que depois nem são capazes de dar uma simples ideia para mudar algo para melhor nessa mesma terra. Acrescentam ainda alguns que têm saudades da sua terra… mas de quando esta tinha muitos habitantes. Se se preocupassem em regressarem por uns dias aos seus montes e às suas casas de antigamente, veriam que até temos muita gente, a maioria estrangeiros, é um facto, mas até temos, de tal forma que a escola primária da sede de freguesia tem jovens suficientes para ter duas turmas (o privilégio de se ter uma professora por cada ano escolar continua reservado aos grandes centros urbanos, infelizmente).
Por isso, se têm “saudades muitas saudades” da vossa terra natal, visitem-na de vez em quando, venham matar essas saudades das pessoas que cá ficaram (ou entretanto regressaram), mas não se metam a proclamar que morrem de saudades se não estão a pensar lá voltar a meter os pés na vossa vida, que isso faz-vos parecer um bocadinho hipócritas. Só um bocadinho.