Há coisas que, às vezes, nos fazem parar e pensar um bocado sobre a merda da vida. Assim mesmo, à bruta.
Aqui há umas semanas atrás, fui à terra, por causa de um evento cultural em que me convidaram a participar. À tarde, já durante os eventos da segunda parte do encontro, deparei-me com uma pessoa que eu conhecia e com quem já não estava há algum tempo. Tinha ouvido dizer que tinha tido uns problemas de saúde, que tinha estado muito mal… fui falar com essa pessoa e, basicamente, não devo ter conseguido disfarçar alguma surpresa e choque quando constatei que a pessoa não falava – não conseguia falar, de todo. O braço esquerdo estava paralisado, também, e a pessoa andava arrumada a uma bengala.
Esta pessoa, que teve um programa numa rádio alentejana, sobre cultura, gravou-me há uns largos anos, e sempre me recordo de a ver, de gravador ou microfone na mão, a fazer recolhas das tradições orais alentejanas; ou de a ouvir, quando possível, no seu programa semanal na rádio. Ver esta pessoa, assim, algo decrépita, torta, tolhida de movimentos, para mim foi avassalador. Vim depois a saber que aquela deficiência física havia sido provocada por um acidente vascular cerebral – a dita trombose – que deixou esta pessoa com um braço inútil e de fala apanhada.
É nestas alturas que uma pessoa dá valor às coisas boas que tem. E que nos apercebemos do quão pouco fazemos para as preservar.