Esta mudança de mês traz algumas mudanças no panorama ferroviário português, do qual quero destacar três ou quatro pontos que me parecem importantes.
A Alta Velocidade continua a estar na ordem do dia. Depois de, na última campanha eleitoral, Passos Coelho ter prometido o cancelamento deste projecto, e de essa promessa, entretanto, ter caído por terra face aos compromissos previamente assumidos, neste momento estudam-se alternativas que permitam aos actuais Primeiro-Ministro e Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, saírem airosamente desta situação. Neste momento, vejo que um dos principais problemas é a questão do nome. Chamar-se ‘TGV’, ‘Alta Velocidade’, ‘Velocidade Boa’ ou ‘Comboio Que Anda Estupidamente Rápido’ é a mesmíssima coisa; porém, por cá, todos acham que significam coisas diferentes, que um ‘TGV’ é diferente dum comboio de ‘Alta Velocidade’, e por aí em diante. Andamos presos em detalhes e, enquanto isso, o projecto português de Alta Velocidade continua envolto numa total indefinição, sem se saber se teremos uma linha Lisboa – Madrid a passar pela Ponte 25 de Abril (agora que a Terceira Travessia do Tejo foi adiada ad æternum), ou Poceirão – Madrid.
E é nesse âmbito que entra a linha Sines – Elvas ao barulho. Especificamente destinada a mercadorias, o Governo considerou a hipótese de juntar esta linha à linha de Alta Velocidade e apenas construir uma ligação, em bitola europeia, sendo usada quer pelos comboios de AV quer por comboios de mercadorias, para além da criação de uma nova linha Aveiro – Salamanca. Se esta linha não me parece uma ideia demasiado má (para além da questão da bitola, que já irei abordar), a primeira parece-me completamente despropositada e abstrusa. Para começar, todo o material circulante de mercadorias que Portugal possui está preparado, unicamente, para bitola ibérica – custaria muito dinheiro rebitolar / preparar todo o material circulante de mercadorias para as duas bitolas, ou, ainda, comprar novo material já preparado para isso; e, como se sabe, dinheiro é coisa que não abunda ali para os lados da Calçada do Duque. Depois disso, existe o caso de todos os ramais de mercadorias, quer do lado português, quer do lado espanhol, estarem com bitola ibérica. Ter-se-ia de estar a alterar a bitola de todos eles, também (ou, pelo menos, dos principais), para se ter o serviço “directo” a França que se pretenderia. E, claro, existe outro factor, este contra a junção das infra-estruturas: o aumento brutal dos custos de manutenção de uma linha de AV em que lá passem mercadorias. Simplesmente, não vejo viabilidade nisso. E, no entanto, é uma ideia que tem ganho muitos adeptos entre os entendidos e “pseudo-especialistas” da nossa ferrovia.
Por último, a Linha de Vendas Novas prepara-se para ficar sem serviço de passageiros – pela terceira vez no seu historial. Depois do “aviso” de Fevereiro, desta é de vez: o serviço vai ser mesmo suspenso. Não é nada que não se esperasse, em abono da verdade. Tal como os suburbanos da Linha de Leixões, este serviço de passageiros, entre o Setil e Coruche, nasceu de uma promessa para as eleições autárquicas de 2009, e nunca pareceu ter grandes possibilidades de sucesso, especificamente por ter o seu início nessa estação vazia e no meio de nenhures que é o Setil. Teria sido muito, mas mesmo muito mais viável colocar-se o início do serviço em Lisboa, ou, pelo menos, na Azambuja. Agora, quando apenas se cria as ligações sem se saber, efectivamente, quais as necessidades da população-alvo, a que horas necessitariam dos comboios, sem convenientes ligações de autocarro das povoações às estações – em suma, sem se fazer estudos convenientes à introdução dum novo serviço ferroviário – o resultado final só pode ser um: comboios vazios. E, em tempo de vacas magras, mesmo com parcecias com as já tremendamente endividadas autarquias, andar a fazer circular comboios vazios é um desperdício de dinheiro.
Texto de minha autoria, incluído no nº 15 da revista "Trainspotter". Aqui.