Bom, já lá vão alguns dias desde a última pedrada, por isso, nada como falar de algo que me aconteceu neste fim de semana.
A propósito, como foi o vosso fim de semana?
...
Bom, o meu sábado não foi nada mau. Consegui infiltrar-me nos 120 anos da Linha de Sintra. Não parece nada mau, pois não? Infiltrar-me em festejos... Bom, mas comece-se lá pelo início.
Eu e mais três rapazes fomos até à estação de Alcântara-Terra, donde saía a
composição que ia até Sintra, a recriar a primeira viagem dum comboio movido a electricidade à estação da cidade que hoje tem como edil esse grande
lampião, o Fernando Seara.
Mas dizia eu, chegámos lá, e já estava lá um belo aparato de gente, uns mais VIP's que outros, uns que iam no comboio, outros que apenas lá estavam para o fotografar... e nós, que também lá estávamos para isso, mas que, se nos deixassem fazer a viagenzinha lá dentro, era um belo dum bónus. A malta lá foi falando com este, e com aquele, até que, por fim, lá nos deram a luz verde, e pudemos entrar dentro da UTE
1 nº 2064.
Confesso que não tinha memória nenhuma de alguma vez ter andado num bicho daqueles, mas digo já que é uma experiência muito boa. Uma pessoa que anda habituada aos bancos duros dos Fertagus, apanha-se nos velhinhos bancos acolchoados e até lhe dá uma coisinha má... eu é que não os aproveitei muito, porque fui a viagem toda de cabeça de fora da janela (sim, aquelas ainda deixavam abrir a janela, uma coisa que se perdeu nos dias de hoje, com o advento do ar condicionado - hoje em dia só na linha do Sado, no Algarve e no Douro - e não por muito tempo...), a tirar fotografias ao meio envolvente da linha de Sintra, ao IC 19 que passa, em certos trechos, quase encostado à linha, e foi uma viagem muito bem passada até Sintra, com direito a carrinho com chocolate para a malta ir petiscando...
... só que, quando a composição chegou a Sintra, a festa caiu de tom.
Estava previsto a UTE entrar na linha 3 de Sintra, só que o Sr. Seara achou (e, atendendo à história, bem, acho eu) que ela deveria de chegar antes na linha nº 1, a mais chegada ao edifício da estação. E tudo isto esteve muito bem... o problema é que
toda a gente se esqueceu da plataforma que permite a quem usa cadeira de rodas entrar nas UQE's
2 que andam em Sintra agora... e também toda a gente se esqueceu que as UTE's eram (e são) um bocadinho mais largas que as UQE's. Sendo assim, isto estava preparado para não dar bom resultado...
... e tanto não estava, que não deu.
Mal se entrou na plataforma da linha 1, ouviu-se uma pancada, seguida de gritos no exterior da composição, e o maquinista parou quase imediatamente a composição (tanto que ela, que estava previsto ter seguido até ao final da plataforma, ficou-se pelo 1/3 da mesma) e um dos rapazes que ia comigo, que ia com a câmara de vídeo de fora da janela, imediatamente saiu de lá e sentou-se no banco, chocado.
É que, nunca pensando que a coisa se dava (e quem pensaria?), um homem, que tinha ido mais a filha até lá, tinha-se posto ou em cima ou nas imediações (sinceramente, já não me lembro) da dita plataforma, que era feita em metal e vidro... e, com o embate, a plataforma amassou-se toda, os vidros partiram-se e precipitaram-se para cima do homem, que não se conseguiu escapar.
Depois disto, é que as coisas se tornam um bocado confrangedoras. Dum lado da plataforma, os VIP's, com música na plataforma (proveniente do Rancho Folclórico D. Maria, que havia entrado no Cacém), do outro o desgraçado do homem, que estava a sangrar de todo o lado, que entretanto foi rodeado pela Polícia para impedir que a malta que andava por lá de máquinas em punho o fotografasse (eu só digo uma coisa: o "Correio da Manhã", que já estava cotado bem baixinho na minha consideração, conseguiu baixar ainda mais), e no meio, muita gente que ainda estava a tentar perceber o que diabo se tinha passado. Eu? Pois... eudepois de ter estado um ror de tempo enfiado neste último grupo, peguei em mim e na minha maquineta e fui tirar fotografias, sim, mas à UTE, que era o que me interessava (acho que há por aí um
fotopic que tem carradas de fotos do acidente e do homem... é daquelas coisas que não percebo: qual a finalidade de se fotografar as desgraças alheias?), e pouco depois, o homem lá foi transportado de ambulância para o hospital, diz-se por essa imprensa que perdeu um dedo, mas hoje em dia já não me fio muito no que eles dizem. Que estava vivo, isso estava, e assim continua - espero.
Uma meia-hora depois, começou-se a preparar tudo para a UTE fazer o caminho de volta para Alcântara-Terra, uma marcha que, supostamente, já não levaria ninguém (quem fez a viagem de ida, levou um bilhetinho comemorativo que valia uma viagem de borla de volta nas automotoras "normais"), mas que... acabou por levar uns quantos entusiastas. E neles, lá fui eu outra vez... enfim, não há uma sem duas (o ditado não é assim, mas serve perfeitamente), e não sei se alguma vez voltarei a andar numa automotora daquelas (pois, que as que ainda há por cá estão a ser vendidas para a Argentina, ou quase todas), por isso, a viagem de volta foi feita comigo coladinho à porta de acesso à cabine, a ver os comandos, a ver o maquinista a conduzir aquela relíquia (anunciaram que a viagem seria feita por uma "UTE de 1957", mas aquela não era de '57, era de uma 2ª geração, por isso, era de '62)... e foi assim que se chegou a Alcântara-Terra. E, depois do "desmontar da feira", depois de mais umas fotos por lá, a UTE nº 2064 lá seguiu para o Entroncamento, para se resguardar até à sua viagem, ainda sem data marcada, para as "pampas".
E assim ficámos nós por lá... depois de um dia bem passado, se não fosse por um pequenino erro de cálculo que é capaz de ter custado um dedo a um homem. E a vida continua.
1- UTE: Unidade Tripla Eléctrica.
2- Vamos, esta é fácil: se as outras eram triplas, estas o que são? Até dou uma pista: tem a ver com o nº 4.