Dois posts em poucos dias. Pior ainda: dois posts sobre política em poucos dias. Vai cair um santinho do altar. Porém, este post tinha de ser feito: uma vez que, à semelhança das últimas legislativas, é o meu comentário ao debate dos partidos sem assento parlamentar, o único que eu acho que merece realmente a pena ver. Ao contrário das últimas eleições, porém, este debate antecede o debate dos partidos com assento parlamentar, que acontecerá na sexta-feira; não sei se é para servir de estágio para o Carlos Daniel...
Como já se poderia esperar, estive vidrado no debate, a ouvir o que toda aquela gente esgrimia e defendia, e à semelhança de há dois anos, vou fazer a minha análise com notas de 0 a 10, como se isto fosse um jornal desportivo a dar notas a jogadores.
Em relação ao último debate, registe-se a ausência do Movimento Alternativa Socialista, impedido de concorrer às eleições de 10 de Março devido a querelas internas1, pelo que a minha MVP do último debate, Renata Cambra, não teve oportunidade de voltar a degladiar-se com os seus colegas minoritários; e a aparição da Alternativa 21 (que não passa de uma aliança do Aliança - heh - com o Partido da Terra) e do Nova Direita. De salientar, também, que, ao contrário do último debate, alguns partidos não se fizeram representar pelo seu presidente mas sim por um cabeça-de-lista por um dos círculos eleitorais a que o partido se candidata - a esmagadora maioria de Lisboa.
Posto isto tudo, vamos à análise e às notas!
- Reagir Incluir Reciclar (6): o R.I.R. já não é liderado pelo Tino de Rans mas o seu fantasma ainda assombra o partido - ele não saiu, tanto que é cabeça-de-lista pelo Porto. Ainda assim, Márcia Henriques mostrou ser uma líder capaz de enfrentar um debate e de apresentar ideias minimamente credíveis. Algumas das suas principais bandeiras são o reforço dos tribunais com meios humanos e a redução da carga fiscal, para além do reforço da economia para promover a fixação dos jovens em Portugal. De todos os candidatos que estiveram presentes no debate, incluo-a num restrito lote que encaixaria relativamente bem na Assembleia da República.
- Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (4): Cidália Guerreiro optou por dar o seu lugar ao cabeça-de-lista por Lisboa, João Pinto, decisão, a meu ver, acertada, uma vez que há dois anos achei a actual presidente do émiérrepumpum muito murchinha e porque João Pinto volta a trazer a linha dura arnaldista de volta aos microfones. Defende um modelo de país que nunca existiu - porque está no futuro - nem mesmo na URSS (Carlos Daniel esteve mal aí em falar na União Soviética, sabendo que o PCTP/MRPP nunca viu com bons olhos o modelo de gestão soviético), uma sociedade de cooperação sem competição entre as pessoas, e soltou, para mim, uma das tiradas da noite, quando afirmou que a guerra na Ucrânia é "uma guerra civil" e que, por isso, Portugal não tinha nada que condenar a Rússia. Termonou com declarando que a sua primeiraproposta seria extinguir todos os impostos excepto um, progressivo, sobre a riqueza. Este é o meu émiérrepumpum! Ainda assim, não lhe consigo dar nota positiva - mais não fosse, pela "guerra civil".
- Juntos Pelo Povo (3): Élvio Sousa, presente há dois anos e ainda presidente do partido, deu lugar ao irmão Filipe Sousa, cabeça-de-lista pela Madeira. O JPP é um partido madeirense que gosta sempre de tentar fazer uma gracinha nas legislativas, uma vez que acusa os actuais deputados eleitos por esse círculo eleitoral de não fazerem nada pela região; ainda assim, concorrem por Braga, Coimbra, Faro, Lisboa, Porto, Setúbal, Açores, Europa e Fora da Europa, para além da Madeira, claro - porém, acaba por ser estranho concorrerem por dez círculos e manifestarem no debate intenção de elegerem um deputado apenas pela Madeira. Falta de ambição para mais? Atirar o barro à parede a ver se cola? Achei Filipe Sousa muito sensaborão, muito insosso, talvez um pouco motivado pelo seu próprio timbre de voz, não sei. Defendeu que se devem reforçar as autonomias das regiões autónomas, especialmente na parte fiscal, defendeu uma sociedade mais aberta e que se olhasse mais para os nossos emigrantes lá fora.
- Alternativa Democrática Nacional (1): há dois anos, Bruno Fialho deu espectáculo pela negativa (mesmo no dia das eleições, houve polémica quando ele foi exercer o seu direito de voto); este ano, como não poderia deixar de ser, Bruno Fialho voltou a ser igual a si mesmo. Coemçou por defender que, em virtude da geografia e de Portugal se situar na periferia da União Europeia, Portugal deveria ser ajudado pela União Europeia; voltou ao seu velho cavalo de batalha da pandemia para falar na "mortalidade excessiva" (Carlos Daniel não o deixou alongar sobre isso mas calculo que essa mortalidade se deva às vacinas para a COVID-19), criar um contrato eleitoral em que, se o partido ou o deputado minta sobre o programa eleitoral, perde a subvenção a que tem direito, defende que os deputados "trabalham para os portugueses", bate-se contra a "desinformação jornalística"... quer pôr a política a ser escrutinada pela justiça e a justica a levar uma limpeza, terminando com a revogação das leis do aborto e colocar quem queira fazer a interrupção voluntária da gravidez a pagá-la do seu próprio bolso. Um bronco negacionista da brigada dos barretes de alumínio que não acredita nas alterações climáticas ("acontecem desde há cerca de 4 mil milhões de anos, quando a Terra foi criada") e que acredita que a imprensa é controlada para desacreditar a "verdade", que ainda acabou por mesmo no final do debate, interromper não me recordo quem para um apelo no seu partido. Não é de malucos deste calibre que o Parlamento precisa.
- Alternativa 21 [Aliança - Partido da Terra] (4): tanto Pedro Pimenta (do Partido da Terra) como Jorge Nuno de Sá (do Aliança) deram o seu lugar ao candidato por Lisboa e actual vereador da C.M. Sintra Nuno Afonso, um dos criadores do CHEGA do qual, logo na primeira intervenção, fez desde logo questão de se distanciar daquele partido "somos a Direita com quem se pode falar, apresentamos as nossas ideias sem gritaria, sem acusações". Defende uma reestruturação do SNS (gostava de perceber é como se faz essa restruturação), que devem acabar os "elevadores políticos", ou seja, os tachos, quer que seja o Estado a assegurar a Saúde, a Educação e a Segurança... e borrou a pintura ao voltar atrás no tempo, a recordar os tempos da pandemia e a frisar que não se podem voltar a ter medidas inconstitucionais aprovadas por um Tribunal Constitucional. Nem mesmo num período de excepção como foi o da pandemia, Nuno? Oxalá não voltemos a ter novamente algo do género do nosso país, mas se acontecer, acho que o Governo do meu país deve fazer os possíveis para tentar conter uma pandemia ou seja lá o que for... mas isto acho eu, que sou maluco. Uma das frases da noite também é dele: "Tudo está errado em Portugal".
- Volt Portugal (7): a liderança bicéfala do partido (Ana Carvalho e Duarte Costa) optou por lançar às feras a cabeça-de-lista por Lisboa, Inês Bravo Figueiredo. E vou ter de ser sincero: à medida que o debate foi correndo, foi subindo alguns pontos na minha consideração. Comecei por a achar muito copo meio cheio, muito optimista, muito saída de um livro do Gustavo Santos, enquanto advogava que a ideia do Volt Portugal (que, basicamente, é a sucursal portuguesa do Volt Europa) é trazer para Portugal ideias de outros países e que funcionaram por lá. Foi a única a falar na reposição integral do tempo de serviço dos professores mas contrapôs logo a seguir com a flexibilização do mercado de trabalho e a agilização dos despedimentos, que devem ser considerados como uma forma de mudarem de emprego "muito mais facilmente". Atracou-se logo aos 45 mil milhões de euros que aí vêm provenientes do PRR e do Portugal 2030 para modernizar a economia nacional e dar aos jovens portugueses os empregos que eles vão à procura lá fora. De todos os intervenientes, pareceu a mais bem-preparada para ao que ali vinha fazer.
- Ergue-te (1): acabadinho de sair das instalações da Rua António Maria Cardoso no dia 24 de Abril de 1974, José Pinto Coelho brindou-nos com a sua habitual simpatia e bem-estar - ou seja, nenhuma. No princípio achou por bem fazer um esclarecimento de que o Ergue-te é uma evolução do PNR - como se ninguém ao cimo do planeta Terra soubesse disso. Alinhou no mesmo diapasão de Bruno Fialho quanto à desinformação da imprensa, ao combate contra o "sistema instituído". Não vale muito a pena falar nas medidas propostas, basta resumi-las a voltar o país a 24 de Abril de 1974: criminalização do aborto, da eutanásia, do casamento entre pessoas do mesmo género, reverter os fluxos da emigração, and so on. Teimou com Carlos Daniel em chamar "ponte Salazar" à "ponte 25 de Abril", não vê nada para festejar nos 50 anos do 25 de Abril, só para "lamentar" (logicamente)... e uma das imagens que ficou, para mim, foi a da sua cara enquanto Ossanda Líber falava sobre as medidas do seu partido para a imigração, como que a pensar "mas a puta da preta está a roubar-nos as ideias todas?!"
- Nós, Cidadãos! (3): Joaquim Rocha Afonso repete a presença de há dois anos... e, se há dois anos, ainda lhe dei nota positiva, desta feita não o posso fazer. Demasiado amargo com a política e os políticos portugueses para conseguir apresentar o seu programa e ideias que tragam mais-valias para Portugal, quase parecia tentado em meter António Costa em tribunal por dois anos depois, "estarmos aqui novamente". Insiste em abrir o Parlamento a movimentos de cidadãos - uma medida com a qual eu até concordo mas que esbarra com a questão da maioria de ⅔ necessária para uma alteração desse tipo - vê portugueses de primeira e portugueses de segunda por causa dos pesos dos diversos círculos eleitorais na constituição do Parlamento, tem uma raiva tremenda à "promiscuidade entre institutos" (imagino que se refira a tachos), quer impor um regime de exclusividade para o Serviço Nacional de Saúde... e não pude deixar de registar o olhar cheio de rancor na direcção de Inês Bravo Figueiredo quando ela falava da ideia do seu partido para o emprego. Se os olhares matassem...
- Partido Trabalhista Português (4): depois da débacle do debate de 2022, Amândio Madaleno cedeu o seu lugar no debate a esse animal político chamado José Manuel Coelho, cabeça-de-lista por Lisboa (obviamente), um José Manuel Coelho perseguido pelo seu passado, pelas figuras feitas no Parlamento madeirense, que teve de assegurar desde logo a Carlos Daniel que, no caso de conseguir ser eleito para a AR, não as iria repetir ("é uma realidade completamente diferente"), um José Manuel Coelho bastante reminiscente do passado (por mais de uma vez recordou o 25 de Abril, que esteve lá, que ajudou a fazer a revolução), um José Manuel Coelho que não acredita na Justica, mas apenas na "justiça do voto". Para dinamizar a economia, José Manuel Coelho vê apenas uma solução: aumentar salários, tal como Henry Ford fez quando acabou o seu Model T. Mais um exemplo moderno. Em suma, vi um José Manuel Coelho pouco capaz de levar a carta a garcia.
- Nova Direita (5): admito que estava cheio de curiosidade para ver o que Ossanda Líber era capaz de fazer e o que iria ela colocar na mesa do debate. No princípio, falou em reformular por completo a Economia de alto a baixo, reduzindo os impostos, diz ter feito as contas para saber o quanto iria essa reformulação custar mas não apresentou os valores; alinhou na cartilha de que a Esquerda está infiltrada na Escola pública e defende que esta apenas deve ensinar coisas básicas ("o bê-á-bá") e a reintrodução dos uniformes como forma de promover uma certa igualdade entre alunos no recinto da escola. Logicamente, defendeu o regresso da criminalização do aborto e bateu-se tremendamente na questão da imigração ("tem de ser tratada com seriedade"), chegando mesmo a interromper Filipe Sousa para continuar a expor a sua ideia, argumentando que Portugal apenas deverá receber imigrantes se precisar deles e "com critério, que são dois": da "valência profissional do emigrante" e da "proximidade cultural do emigrante". Defende incentivos à natalidade, como acesso facilitado a serviços de fertilidade e empréstimos facilitados a jovens casais para formarem família. Tal como Inês Bravo Figueiredo, estava bem preparada para o que ia (afinal de contas é a presidente do partido, mal seria)... e levava uma nota melhor se não tivesse sido a única interveniente no debate a acusar o moderador Carlos Daniel de parcialidade e de algum tom de gozo quando fazia as perguntas. A única.
Em suma, foi assim que vi o debate. Agora, em resposta à eterna pergunta "vês hipóteses de algum destes partidos chegar à Assembleia?"... obviamente, tudo depende de Lisboa - afinal de contas, a esmagadora maioria por onde muitos destes candidatos concorrem. E Lisboa elege 48 deputados. Acredito que possa ser possível. Até porque acabo por ver mais sensatez em alguns destes líderes/candidatos do que dos daqueles partidos com assento parlamentar. Agora sabemos que as máquinas partidárias montadas destes vão fazer das tripas coração para conquistarem o máximo possível daqueles 48 lugares. Vou fazer como o João Pinto (o antigo defesa-direito do FC Porto, não o do PCTP/MRPP) e deixar os prognósticos para a noite de dia 10 de Março.
Em relação ao debate de sexta-feira, peço desculpa mas não vou perder o meu tempo com ele. Sobre os partidos com assento parlamentar já muito já foi escrito e falado e irá continuar a ser escrito e falado, portanto, deixo esses para vocês.
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1- Lembram-se da guerra civil entre Arnaldo de Matos e Garcia Pereira no PCTP/MRPP? É algo do género.