17.11.23

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Há memórias e ideias que nunca nos desaparecem da ideia, datas que nos ficam marcadas na memória, principalmente ligadas a pessoas que sempre estiveram connosco e deixam de estar.


A minha avó Emília foi, como todas as avós são (ou devem ser), uma pessoa que me marcou imenso, quer como pessoa quer como, erm… “músico” (hesito sempre nesta parte pois não me considero propriamente músico, mas isso são outros cinco tostões). Sabia cantar belissimamente – aliás, fazia parte de uma irmandade em que todos sabiam cantar bem – e conhecia imensas modas, mais do que as que eu alguma vez poderei vir a saber. Durante a minha “fase de aprendizagem” da viola campaniça, sempre que eu vinha “à terra” passar um fim-de-semana ou umas férias à casa dela, os serões eram quase sempre invariavelmente passados na “divisão de fora” da casa, à luz de um candeeiro a gás (sim, porque isso da electricidade chegar a todo lado é mentira – ainda nos dias de hoje), a ouvi-la mais ao meu tio dizer-me para “experimentar esta moda”, “ai, não conheço”, “então é assim” e cantarem-na e eu, melhor ou pior, a ir atrás com a viola. Graças a esses exercícios, acabei por desenvolver um bocado o ouvido e consigo, com relativa facilidade, ouvir modas alentejanas e passá-las para a viola.


A minha avó nunca chegou a ser gravada e é uma pena. Tanto eu como o meu tio fomos imortalizados, há mais de vinte anos, nas gravações do saudoso Rafael Correia e do seu não menos saudoso programa “Lugar ao Sul” da Antena 1, mas ela não. E talvez merecesse que qualquer um de nós, não só pela quantidade de modas que ela sabia cantar (e bem, não me canso de o referir), mas também pela imensidão de rezas que ela conhecia; por exemplo, mal se ouvia um trovão ao longe começava logo a cantar o “Bendito e louvado” ou a apelar a Santa Bárbara. Existe uma excepção, contudo, pois na reedição do livro “Viola Campaniça – O Outro Alentejo” de 2001, no primeiro CD, a acompanhar o tocador Carlos Alexandre Loução a tocar a moda “Santo Antoninho da Serra”, ela aparece a fazer o alto da moda (integrando um grupo feminino constituído “à pressão” e por ela, pela minha mãe e pela minha prima. Contudo, a minha avó, principalmente nesse final da década de 1990 tinha o hábito de fazer gravações de excertos do programa “Património” da Rádio Castrense – exactamente com o mesmo estilo das gravações que se faziam nos programas de discos pedidos, nem mais – quer de participações de tocadores de viola campaniça, quer de cantes ao baldão… e tem sido um arquivo que, mesmo nos dias de hoje, me tem dado algum jeito mesmo para recuperar vozes antigas que entretanto já desapareceram, ouvir-me inclusivamente a mim a tocar há uns 20-25 anos atrás…


E eis que, numa dessas cassetes que eu há semanas, não sei porquê (ou por alguma mensagem vinda do outro lado, quem sabe?) fui novamente desempacotar das caixas onde estavam arrumadas, entre gravações de cantadores ao baldão e violas campaniças, descubro “auto-gravações”, gravações feitas pela minha avó, a cantar ora a solo ora com a minha prima. Como não gostava que a sua voz se perdesse unicamente nos confins da memória, deixo aqui a Canção da Neve (não confundir com a Balada da Neve do Augusto Gil, SFF) e uma cantiga ao baldão feita por ela e por ela cantada.

 

Por último, porquê falar da minha avó hoje, sabendo que ela fazia anos em Janeiro e foi depois do Natal que ela nos deixou? Porque faz hoje exactamente cinco anos que um AVC fez com que a minha avó, aquela pessoa que eu havia conhecido toda a minha vida, desaparecesse. O corpo ficou cá, paralisado de um lado, mas ela, o seu conhecimento, a sua voz, o seu ser, tudo o que a fazia ela, esfumou-se. Seguiram-se quarenta dias… os Quarenta Dias. Não quero falar sobre esses quarenta dias e sei que os carregarei comigo até ao fim da vida; prefiro recordar antes os 34 anos em que tive aquela pessoa “comigo” e procurar honrar o legado que ela me deixou.

disfunção original de Carlos Loução às 11:15

18.05.16

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Vou retornar a um assunto que já abordei faz tempo. Bastante tempo, ao que parece. Isto porque em onze anos nada mudou.

Ao longo da história, a freguesia de São Martinho das Amoreiras tem andado a balançar entre dois municípios, o de Odemira e o de Ourique. Eventualmente, acabou por se tornar parte integrante do primeiro. Infelizmente.

Infelizmente porque o “maior concelho de Portugal” possui uma câmara que enche a boca para falar do seu tamanho mas que depois apenas se foca naquela faixa litoral que vai de Vila Nova de Milfontes a Aljezur, pejada de praias e que é um pólo de atracção para o turismo. E, desde os tempos que me lembro, as atenções que a cúpula camarária tem deitado ao restante território têm sido mínimas ou inexistentes – o que levou a que a vasta maioria do concelho esteja, na sua esmagadora maioria, votada ao abandono. E nem mesmo assim as pessoas e partidos que passam pela Câmara Municipal se movem para tentar dar condições de vida às poucas pessoas que ainda habitam nas freguesias interiores do concelho de Odemira. Claro, as aldeias e lugares possuem estradas alcatroadas, luz eléctrica… mas e as pessoas que não habitam nas aldeias e lugares? E quem vive no seu monte? Não é um ser humano como os habitantes do litoral? Não paga IMI como os do litoral? Como se justifica que, em 2016, ainda haja pessoas sem acesso a algo tão básico como a electricidade apenas e só porque a autarquia não está para gastar 50 mil euros para levar a luz à casa das pessoas? Em vez disso, colocou painéis solares nos montes das pessoas que ainda residem nos confins do concelho, o que seria algo de muito justo e nobre e uma alternativa viável… se a luz solar instalada tivesse potência para se ligar um frigorífico ou uma máquina de lavar roupa, ou se fosse possível ter mais do que uma tomada em toda a casa, o que não é o caso. Resultado? Quando há Sol, pode-se estar relativamente à vontade, ver-se um pouco de TV, mas nos dias mais cinzentos ou invernosos tem de se ter cuidado com a racionalização da luz: apenas para a iluminação.

Em Ourique, foi agora concluída a electrificação de duas zonas do concelho, onde foram gastos 75 mil euros no total. No concelho vizinho sempre houve muito a política de fazer, mesmo sem dinheiro (e daí terem acumulado uma dívida brutal, da qual têm estado a recuperar), enquanto em Odemira nunca se fazia porque “não havia dinheiro”; ironicamente, em 2014, a dívida odemirense era superior à de Ourique. Por causa desta diferença de filosofias camarárias é que o nível de vida dos habitantes do concelho de Ourique é bastante superior ao dos de Odemira. Por isso é que, voltando acima no texto, ainda temos habitantes da freguesia de São Martinho sem acesso a electricidade mas com “vizinhos” a um quilómetro que dispõem dessa mais-valia. Da última vez que a electricidade foi espalhada por mais uns montes ao redor do lugar da Corte Malhão, chegou-se ao cúmulo de se levar o cabo à porta de montes abandonados e em estado de ruína… enquanto outras casas habitadas eram ignoradas. E anda-se nesta batalha há mais de vinte anos, com quilos e mais quilos de promessas adiadas, pedidos arquivados, favores esquecidos. Apenas na altura das eleições se garante que “a electricidade vai chegar a todo o lado do concelho”, todavia isso nunca se chega a verificar.

O lema do concelho de Ourique é “por Ourique, pelos ouriquenses”; e o de Odemira, como será? “Pelo Litoral, pelos habitantes do litoral”?

disfunção original de Carlos Loução às 21:05

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