Vivemos tempos muito complexos. Temos tudo ao alcance dos dedos (muito mais que no tempo das Páginas Amarelas) – contando, claro está, que se tenha um dos denominados smartphones e um pacote de dados generoso. Ora isto é muito bom se tivermos uma dúvida qualquer no momento (o "tio Google" raramente se engana)… mas traz-nos diversas desvantagens, que afectam principalmente a geração mais nova.
Às vezes, por graça, digo que ser-se pai nos dias de hoje é fácil: basta consumar o acto, esperar nove meses e depois entregar-lhe um telemóvel para as mãos. Isto é um exagero, claro, mas a realidade por vezes não anda muito longe disso. Quantas vezes vamos a um restaurante e vemos casais com os filhos agarrados a um smartphone para aturarem sossegados durante a refeição? Quantas crianças chegam a casa depois da escola que se vão logo agarrar ao tablet ou ao telemóvel dos pais para verem bonecos a tarde inteira até à hora de jantar (ou mesmo depois) porque os pais ou familiares não se estão para se chatear com aquela coisa da educação?
Claro que isto depois causa problemas a quem tem a tarefa de lhes tentar ensinar alguma coisa na escola. Tentar-se ensinar, por exemplo, viola campaniça ou modas alentejanas a crianças que têm a cabeça cheia de TikTok, Reels do Instagram e vídeos de bonecos ou de sucata no YouTube acaba por se tornar tão produtivo como tentar dar banho a um gato bravo. Sai-se da sala de aula desmotivado porque não se conseguiu que meia-dúzia de alunos aprendessem a cantar uma moda como "Dá-me uma gotinha de água", enquanto a rapaziada regressa a casa para continuar a absorver sucata do Enaldinho ou do Luís Bafo Bafo (não consigo encontrar melhor termo, desculpem) e passarem toda a semana a espalharem essa mesma sucata uns com os outros. Poder-se-á argumentar que têm de ser os professores a encontrar alternativas para tornar o ensino da cultura popular mais atractivo para a malta que está agora no 1º Ciclo, e talvez eu seja capaz de concordar com isso; agora, apresentem-me uma receita que resulte. Não acho que tenha de ser eu a dizer aos pais ou encarregados de educação dos alunos "proíbam os vossos filhos de ver sucata nos telemóveis" – ou, melhor ainda, "não entreguem telemóveis ou tablets aos vossos filhos" – pois não sou ninguém para dar conselhos do que fazer a respeito de parentalidade.
Para alguém que gosta de ensinar e gosta de transmitir o pouco que aprendeu em quase um quarto de século como tocador de viola campaniça, é absolutamente destruidor e desmotivante ver meninos e meninas a fazer dancinhas vistas no YouTube no meio da aula e a resistirem a aprender o que (ainda) resiste das nossas tradições. Talvez o problema seja meu, no meio disto tudo, que não estou preparado para lidar com quem não quer aprender ou que, pura e simplesmente, não consegue tornar o ensino uma coisa apetecível e não se adapta às novas tecnologias.
Tudo porque às crianças metem um smartphone ou tablet nas mãos para os manterem sossegados e nem sequer se importam com o que eles vêm. O que importa é os meninos e meninas estarem sossegados e não chatearem. Depois queixam-se, daqui por uns anos, que têm filhos mimados e mal-educados, mal-preparados para a vida. Mas isso é depois, eles que se amanhem. O que importa é estarem sossegados agora.