30.10.22

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Há textos em que, assim que os começo, aparece uma vozinha lá no fundo da minha cabeça a gritar, alto e bom som: "NÃO ESCREVAS SOBRE ISSO! ISSO VAI DAR MERDA!" Só que, como o senso comum nunca foi muito o meu forte, eu lá os acabo e publico aqui neste espaço. Por acaso, o primeiro em que aconteceu isso não gerou a celeuma que eu receava (basicamente porque ninguém lê esta merda); todavia, como agora vou dar uma bordoada bem forte num autêntico ninho de vespas, não me devo safar. Bem, olhem, amiguinhos, tive muito gosto, etc e tal.
A nossa sociedade tem-se vindo a alterar ao longo dos anos, fruto da evolução própria das coisas, mas tem sido uma evolução que tem dado errado em diversos patamares. E num deles é a dita questão do ambiente. E começo com uma admissão: sim, o meio ambiente está doente, fruto de centenas de anos de atropelos ambientais com efeitos já a médio e longo prazo que podem colocar em causa a habitabilidade deste terceiro calhau a contar do Sol (e logo agora que descobrimos que conseguimos desviar meteoros perigosos sem ser preciso mandar dois vaivéns cheios de homens e máquinas de perfuração, nem chamar os Aerosmith para fazerem a música de acompanhamento da missão!). Tem-se feito muito mal a este planeta sem se pensar no dia de amanhã nem no planeta que vamos deixar aos nossos descendentes. Até aí, tudo certo.
O problema começa quando começamos a ver a espécie de jihad iniciada por grupos organizados de pessoas contra alvos pré-determinados. Atirar sopa contra obras de arte envergando t-shirts "Just Stop Oil" (Parem com o Óleo, numa tradução rasca)? Colarem-se a carros? Se a ideia é aparecerem nos noticiários de todo o mundo (e em constituírem material para programas humorísticos), parabéns, a manobra é um sucesso, mas em termos de efeitos práticos isso faz zero pelo ambiente. Alertar para os problemas que existem no mundo? Acho que os noticiários já se encarregam disso ("mas esses são controlados pela máquina capitalista e consumista que governa o mundo!", até parece que vos oiço dizer…). Mas não vejo utilidade em servir de "pega-monstros" no Museu do Louvre. A não ser que o objectivo seja mostrar "olhem para mim, preocupo-me tanto com o ambiente que até me colei à Mona Lisa com uma t-shirt da minha organização ambientalista!"
Neste município em que habito e trabalho, é fácil ganhar-se créditos no eco-fundamentalismo: basta dizer-se que se é contra as estufas e contra os eucaliptos. Atenção: não estou com isto a dizer que sou a favor da existência de estufas e de explorações agrícolas em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina; lembro-me de uma reportagem sobre o caso, há meses, talvez na SIC, em que apareceu um responsável do PNSACV a falar e que até dava vergonha alheia só de ouvir, coisinha mais subserviente às empresas não conseguiriam arranjar. Diz-se que a exploração intensiva dos territórios está a matar o sudoeste alentejano, e eu acredito nisso – aliás, fiquei surpreso quando vim a saber que iam ser colocadas ainda mais estufas na zona do Brejão, se não me engano – e que as empresas são responsáveis por imensos crimes lesa-ambiente e contra os direitos humanos, com imigrantes ilegais a serem traficados de Bangladesh, Índia, Nepal, Paquistão e zonas limítrofes para trabalharem nas estufas por cascas de alho. Esse tem sido o segredo mais mal-guardado desde que se descobriu que o Putin era um homicida tresloucado ("Então se vês problema nisso tudo, qual é o teu problema?", perguntarão os críticos). O problema é que enchem-se posts no Facebook cheios de indignação com tudo o que se passa ao redor das estufas, fazem-se manifestações e quejandos… e vê-se poucos ou nenhuns resultados práticos, pois a laboração continua, os migrantes continuam a trabalhar nas estufas, e, de um modo geral, nada muda. Eu juro que, num Universo alternativo, gostava que os mais veementes protestantes contra o actual status quo no PNSACV pudessem ser mandantes e ditar as leis no município sobre o que ao meio ambiente diz respeito. Tenho um palpite que as coisas não se alterariam mormente – mas lá está, não passa de um palpite, pelo que nunca virei a saber se estou certo ou não.
Sobre os eucaliptos, a questão tem sido mais pacata, mas ainda gera celeuma por se plantarem e ainda existirem vastas centenas de hectares de eucaliptal nesta serra, uma vez que o eucalipto causa a seca dos terrenos e é uma árvore sinónima do capitalismo, secando tudo ao seu redor. Nesta questão, lamento imenso mas não consigo ser contra a sua existência no Alentejo. É que o ser-se contra o eucalipto é, acima de tudo, uma questão ideológica: basta dizer "não ao eucalipto!" para sermos considerados pessoas de bem e preocupadas com o ambiente… e ninguém se preocupa na economia da região que depende da existência de florestas de eucalipto, dos operadores de serras que os cortam quando já têm tamanho suficiente, dos operadores das máquinas que os carregam para os camiões, dos condutores de camiões que levam os troncos para as fábricas, dos vendedores e mecânicos de serras que as arranjam quando elas avariam… e dos donos dos terrenos que sempre recebem alguma coisa por venderem os eucaliptos à empresa (os terrenos que não são pertença da empresa, atente-se). Porque qual é a alternativa a ter-se um terreno com eucalipto? Fazer-se um projecto de sobreiros ou de medronheiros, porventura, pois são árvores autóctones. Mas demora tempo até se obter retorno desse investimento (se sobreviver à seca que cada vez mais vai invadindo este Sul), e é preciso limpar-se os terrenos todos os anos (ou a cada dois anos) para que o mato não invada o terreno; depois os donos dos terrenos morrem e os filhos não querem saber daquilo para nada pois vivem na cidade, deixam as propriedades entregues ao mato selvagem ("ao menos é autóctone", direis) e é um piscar de olhos até os terrenos terem mato maior que a altura de um homem e trazerem até à beira dos poucos terrenos habitados bichos selvagens que estragam as culturas… Talvez esteja ver as coisas por um prisma errado: ao contrário de muita gente, não digo que sou o dono da razão, nem tento evangelizar ninguém, apenas debito para aqui ideias minhas (e más, daí isto ser "Disfunções Mentais"); mas gostava de saber quais são as ideias que a malta da brigada ecológica tem para todos os trabalhadores que retiram o seu sustento das florestas de eucalipto. Mandam-se para a rua? Detona-se a economia de uma região onde há pouco emprego em nome da ideologia bacoca que apregoa aos sete ventos que “o eucalipto é mau e deve ser banido para todo o sempre”?
O meu medo é que, derivado da inocuidade de muitos dos protestos que têm sido feitos, se queira passar para o nível seguinte e se comece a orquestrar e levar a cabo atentados em nome do ambiente. Talvez seja uma loucura, admito, mas vejo fanatismo suficiente em alguma gente para imaginar que não haverá problemas em se colocar uma bomba numa refinaria de petróleo, por exemplo, ou numas estufas, para se marcar uma posição bem mais ruidosa sobre o ambiente e causar danos em quem causa danos no meio ambiente.
Voltando à questão dos protestos, é mesmo aí que toda a hipocrisia fica exposta: vemos milhares de miúdos em todo o mundo a carregar cartazes (de papel ou cartolina, mas também umas tabuletas de madeira), a desfilarem rua fora registando o momento nos seus telemóveis topo de gama (feitos em fábricas situadas em países onde a mão-de-obra custa umas cascas de alho, com baterias de lítio, o mesmo lítio que supostamente é tão mau que nem sequer se pode extrair em Portugal porque dá cabo do ambiente, anulando os possíveis postos de trabalho que pudessem vir a ser criados) e partilhando nas redes sociais. O que acontece depois do desfile? Claro, todos os cartazes vão entulhando os contentores do lixo ou ficam abandonados no meio da rua, o que derrota um bocado (“bocadinho”) o propósito de se fazer uma marcha pelo meio ambiente… mas talvez seja eu a ser tacanho.
Admito que às vezes eu próprio faço um protesto ecológico: quando paro o carro à beira da estrada para aquele aliviozinho da bexiga e tenho tempo, paro um bocado para recolher o lixo que se encontra nas redondezas, garrafas de vidro e plástico essencialmente mas não só, e levo-o para o ecoponto mais próximo. É um protesto silencioso e sobre o qual coloco exactamente zero fotografias nas redes sociais – assim falhando o objectivo de parecer que me importo com o meio ambiente. Mas ao menos fico no meu mundinho a achar que tive relevância para ajudar a reduzir um nadinha a minha pegada ecológica. Nós, os malucos, contentamo-nos com pouco.

disfunção original de Carlos Loução às 12:28

15.10.22

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As redes sociais, em especial aquele esgoto horroroso chamado Facebook, são um belo e esclarecedor espelho de como somos um povo fã de aparências, do falar bem e do fazer publicações para o “like”.
Esta introdução serve para praticamente tudo, mas hoje vou utilizá-la para lançar uma questão que me deixa um nadinha azedo (“também ficas azedo com qualquer merda!”), que é olhar para aquelas pessoas que abandonaram a sua terra natal à busca de uma vida melhor, depois vão para os grupos dos naturais dessa terra dizerem-se cheios de saudades da sua terra natal… sem, contudo, voltarem a lá colocar os pés.
Vamos por partes. Nada tenho contra quem teve de sair das aldeias, do Interior, de Portugal, rumo à cidade ou ao estrangeiro em busca de condições de vida dignas, quiçá de constituir família e que, com o passar dos tempos, acaba por se fixar nessa nova terra e tornar-se “natural” dessa terra. É algo perfeitamente normal e natural da condição humana procurarmos o nosso bem-estar, e se não o encontramos nas imediações temos de ir atrás dele. O que me irrita solenemente é olhar para os grupos (ou comunidades, agora…) de naturais e amigos da minha aldeia (ou “da aldeia de onde são os teus pais e que tu adoptaste como tua”) e, a cada publicação que lá é colocada, seja uma fotografia antiga, um vídeo ou a publicidade a um evento futuro, ver pessoas que nasceram na aldeia mas que estão longe a repetirem o mesmo discurso de “minha rica terra tenho tantas saudades do monte onde nasci da fonte onde íamos a água saudades muitas saudades” e que, em 52 semanas que o ano tem, não conseguem arranjar uma que seja para visitarem a terra que os viu partir, nem sequer no período das festas que é o mês de Agosto. Ainda por cima quando nessa altura existem tantas actividades para ocupar o tempo de quem nos visita (e nisso esta minha freguesia é abençoada). Será que as pessoas ganham pontos nisto do jogo da vida se mostrarem que têm “saudades muitas saudades”? Likes claro que ganham, e também uma chuva de comentários “é verdade amigo/a outros tempos que já lá vão um dia temos de nos encontrar” e seus derivados, e claro está que as redes sociais não passam de uma feira de vaidades onde todos nós fingimos ser os maiores da nossa rua mesmo que não tenhamos onde cair mortos, mas… vale mesmo a pena fazer estas figuras? Ainda por cima deixando ao abandono as casas e os montes onde nasceram e foram criados, onde tiveram as primeiras brincadeiras e onde começaram a ser gente? Como é que podemos dizer que temos “saudades muitas saudades” da nossa terra natal e depois deixamos que a casa que era dos nossos pais (e algumas mesmo dos avós) degradar-se e ruir, que os terrenos que dantes eram cultivados fiquem entregues às estevas e às silvas?
Todavia, há ainda um grupo de pessoas que me consegue deixar ainda mais azedo: são os que, para além das características acima referidas, ainda se acham no direito de dizerem aos “pacóvios” que ficaram na terra natal (ou aos que saíram e entretanto já regressaram) como devem viver. Lembro-me de um episódio que aconteceu há semanas, aquando da realização da feira anual da aldeia, em que, entre os comentários pejorativos derivados do facto de as barracas de tendeiros não serem muitas (intercalados por comentários de “saudades dos tempos que a feira tinha gado era uma animação ver os rebanhos de gado saudades muitas saudades” e de “saudades das feiras de antigamente essas é que eram boas o tempo tudo leva saudades muitas saudades”) surgiu uma pessoa a dizer que a feira devia de se reinventar para o século XXI. Muito bem, disse eu, então que ideias sugere para a feira?
*som de grilos*
E é isto. Dizer que “tem de se fazer!”, todos dizem, rasgam as camisas e batem no peito a dizer que amam a terra que os viu nascer mas que depois nem são capazes de dar uma simples ideia para mudar algo para melhor nessa mesma terra. Acrescentam ainda alguns que têm saudades da sua terra… mas de quando esta tinha muitos habitantes. Se se preocupassem em regressarem por uns dias aos seus montes e às suas casas de antigamente, veriam que até temos muita gente, a maioria estrangeiros, é um facto, mas até temos, de tal forma que a escola primária da sede de freguesia tem jovens suficientes para ter duas turmas (o privilégio de se ter uma professora por cada ano escolar continua reservado aos grandes centros urbanos, infelizmente).
Por isso, se têm “saudades muitas saudades” da vossa terra natal, visitem-na de vez em quando, venham matar essas saudades das pessoas que cá ficaram (ou entretanto regressaram), mas não se metam a proclamar que morrem de saudades se não estão a pensar lá voltar a meter os pés na vossa vida, que isso faz-vos parecer um bocadinho hipócritas. Só um bocadinho.

disfunção original de Carlos Loução às 09:13

11.09.22

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Isto de andar metido em projectos musicais faz com que, às vezes, me veja envolvido em situações que, depois, metemos as mãos na cabeça e pensamos "Que raio acabou de acontecer?" Talvez seja mesmo do meu próprio feitio, ou do facto de ser um tanso / ingénuo / …, mas olho para a vontade de certas pessoas se mostrarem, ou sobressaírem à viva força, e pergunto-me se vale a pena tanta coisa.

Isto tudo derivado de uma série de eventos que tem acontecido mensalmente em freguesias de um concelho alentejano. Depois de uma primeira tentativa, há meses, o projecto que integro recebeu um convite para participar na edição deste mês. E aqui cometeu-se um erro: não se respondeu ao mail recebido – não por maldade, mas apenas por uma questão de ir adiando a resposta até que, eventualmente, a correspondência electrónica entretanto recebida faz desaparecer o dito mail. Eis senão quando, para espanto dos actores do Centro, este aparece na programação do dito evento em todas as redes sociais. Depois de uma troca de ideias, e para não manchar o nome da instituição, cede-se e preparam-se as coisas para o grupo habitual comparecer no evento.

Dia do evento. Chegada ao local. Recepção por parte dos organizadores, tudo normal. O grupo, que consiste em dez alunos e dois monitores, é encaminhado para o local onde irá actuar, que não possui qualquer espécie de amplificação sonora e com cadeiras impróprias para quem vai manusear um instrumento musical (ou seja, com braços). Bom, paciência. Corações ao alto, bola para o mato, etc.. Temos à nossa volta um vasto grupo de pessoas, maioritariamente estrangeiros, de todos os tamanhos, feitios e cortes de cabelo. O silêncio que, por falta da amplificação sonora, acaba por ser imprescindível não existe, mas temos pessoas a olhar para nós, à espera do que vai sair dali. E assim começamos a tocar, apesar de os alunos não se conseguirem ouvir de ponta a ponta. E é então que surgem os telemóveis para nos filmar e/ou fotografar – eu costumo dizer que já fui filmado e fotografado mais vezes do que cabelos que tenho na cabeça, mas depois nunca chego a ver esses registos uma vez que, nos dias de hoje e com as definições de visibilidade das redes sociais, os mesmos apenas ficam visíveis para um grupo restrito de pessoas. Os telemóveis que vejo também me fazem pensar um pouco: uma grande maioria das pessoas que ali estão podem ser consideradas hippies, amantes da Natureza, eco-fundamentalistas, que são contra agricultura intensiva, explorações de petróleo e minas de lítio… todavia não se coíbem de adquirir os mais recentes iPhone ou Samsung ou Huawei ou qualquer outra marca de smartphone. Há alturas em que a hipocrisia humana é absolutamente deliciosa.

Mas continuemos. O grupo faz a sua actuação, o melhor possível face às condições providenciadas, e termina sob um coro de aplausos – nada a apontar ao público. Depois disso alguém (com ênfase no "alguém", não sei se da organização ou não) avisa que haverão pizzas para os miúdos, pelo que se espera mais um bocado, dá-se uma volta ao recinto, vê-se os vendedores de produtos locais, conversa-se aqui e ali com uma ou outra pessoa. As pizzas demoram a chegar – uma vez que são feitas artesanalmente e cozidas num pequeno forno – vêem duas a duas e, no total, são cinco… para dez alunos e dois monitores, devo recordar. Obviamente, à medida que as mesmas chegam imediatamente desaparecem. E depois desta fartura, levanta-se âncora, abandona-se o recinto do evento e regressa-se à base. Isto sem que pessoas da organização digam alguma coisa mais, ou sequer agradeçam pela actuação – ou apareçam, tão-pouco. E quando se abala, no palco principal – sim, havia um palco, se bem que do tamanho duma noz – um grupo ligava os seus instrumentos à aparelhagem de som para começar a tocar daí a pouco.

Gosto que haja eventos, estes fazem falta principalmente quando procuram dar vida ao interior. O problema é quando os eventos que se fazem parecem servir unicamente o propósito de meter alguém em bicos de pés, de mostrar que organização X consegue fazer eventos para promover a ruralidade e os produtos e produtores locais, mesmo que estejam lá muito poucos nativos e uma esmagadora maioria de estrangeiros a expor a sua produção vegetariana / vegana / biológica / …. Sabe-se que acaba por ser um reflexo da densidade populacional do interior do Alentejo, principalmente da zona serrana do Alentejo, mas acaba por ficar sempre um sabor de que estes eventos são direccionados para um público que não é o nativo. E, claro está, com a finalidade de servir de rampa de lançamento para promotores de eventos.

Não gosto de coisas feitas apenas para colocar terceiros debaixo dos holofotes. Mas, acima de tudo, não gosto de coisas feitas com tanta falta de respeito para quem é convidado a lá tocar (o que até nem foi bem o caso, uma vez que nunca houve uma resposta afirmativa ao convite que nos foi endereçado). Até porque este tipo de situações acaba por afectar e desmotivar os nossos alunos e deixar piores que estragados os seus familiares. Todavia acaba por servir de aprendizagem para todos – até para nós, que em casos deste género possivelmente iremos ter outra reacção.

disfunção original de Carlos Loução às 12:00

20.11.18

 

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Já há algum tempo que aqui não vinha. Não por falta de assunto ou vontade de escrever (OK, às vezes por este último motivo), mas porque quando começo a escrever este tipo de textos tem de ser de uma vez só; e o normal é começar a debitar ideias, depois faço outra coisa qualquer entretanto, surge-me mais uma tarefa e quando vou a pegar no texto novamente já não vai com o mesmo rumo que ia anteriormente. Mas de vez em quando sinto alguma vontade de aqui acrescentar mais um post. Afinal de contas, comecei esta coisa em 2005 (!) e custa-me vê-lo abandonado. Mas não interessa, para variar um bocado estou a perder-me em rodriguinhos. Prossigamos.

Há muito que deixei de acreditar num plano superior que nos recompense pelos nossos bons actos em vida e nos castigue pelam merda que fazemos durante o tempo que estamos vivos. Isso pressuporia que o Universo é um lugar bom e justo – e acho que todos nós já nos apercebemos que é tudo menos isso. Pode-se dizer "ah, não sabes se isso é mesmo assim", e é verdade: normalmente quem parte nunca volta para nos dizer que se passa (o que por si pode querer dizer alguma coisa).

Pensando um bocadinho… se apenas fazemos o Bem para que possamos vir a ser recompensados no Outro Mundo, isso não faz de nós, seres humanos, egocêntricos e interesseiros? O que talvez justifique o porquê da criação desse mito: se não houvesse a promessa de uma possível recompensa futura, nós seríamos ainda mais ruins do que o que somos habitualmente.

Quando vemos uma pessoa acamada, em estado vegetativo ou similar, dependendo do que foi a sua vida, há quem diga que "está a pagar pelos pecados em vida, enquanto não os pagar todos fica ali preso/presa naquele corpo" – o que acaba por contrariar um bocadinho a tese do Inferno depois da morte, pois assim ia logo directa lá para baixo sem causar dor aos familiares que cá ficam. Mas e se a pessoa em questão não tiver sido má pessoa, se sempre se tiver comportado de forma correcta, tentando melindrar o mínimo de pessoas possível (enquanto essas mesmas pessoas a iam enrolando vez após vez), sempre de acordo com a lei da religião e sendo sempre temente a Deus… qual é a justificação para sofrer esse castigo? Terá a entidade divina vontade de fazer aquela pessoa sofrer um bocadinho antes de a acolher no Reino dos Céus – o que significaria que é um sádico de primeira apanha – ou significa, pura e simplesmente, que o Universo é um lugar aleatório, sem qualquer balança cósmica e onde não há recompensa para os bons nem castigo para os maus? Depois começam as disxussdis sobre o que é considerado "bom" e o que é "mau". Se uma pessoa A mata um animal para salvar a vida de outra pessoa B, pode haver quem ache que a pessoa A é uma pessoa boa pois conseguiu salvar a vida de alguém, mas decerto – e cada vez mais nos dias que correm… – haverá quem grite que a pessoa A é um canalha e um assassino porque matou um ser vivo, um ser irracional que, quem sabe, poderia estar apenas a defender o seu território e que pode ter condenado à morte também supostas crias desse animal. São enormes argumentações metafísicas para as quais não tenho estômago nem paciência, pois normalmente nessas coisas há sempre extremistas e eu tenho um pó bruto a essa raça.

Nestes textos, eu acabo sempre por fazer imensas perguntas para as quais não tenho resposta. Nem espero. Como diz o título aqui da xafarica, isto são disfunções mentais, devaneios de um tipo que não tenta evangelizar ninguém mas que odeia que o tentem evangelizar seja sobre o que for. Um parvo pouco chato, em teoria.

disfunção original de Carlos Loução às 09:52

07.05.15

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Este vai ser o meu último post neste web-log - ou em qualquer outra coisa. Não por minha livre e expressa vontade, atenção: apenas acho que, depois disto, haverá pessoas que não vão descansar enquanto não me queimarem vivo no meio de alguma praça porque, graças a Deus, todos somos Charlie e todos temos direito à nossa opinião - contando que essa opinião seja condizente com a da maioria. Mas quero lá saber. Ao menos morro feliz, sabendo que alguém ainda passa algum cartão às minhas disfunções - nem que depois me dêem cabo do canastro.

Durante muitos anos, a sociedade estava bastante simplificada: o homem a trabalhar, a mulher em casa a cuidar dos filhos. Não vou estar aqui a dizer que "assim é que era bom", pois nem sequer é a minha convicção - estou apenas a constatar um facto. Com os anos e a chegada dos novos ventos da liberdade, o ser feminino achou que bastava de estarem sob o jugo tirano do machismo e começaram a reivindicar direitos. Mais uma vez, nada contra. Especialmente nas aldeolas, muitas delas nem à escola iam ou saíam com menos que a 4ª classe, por isso, não vejo mal nenhum insurgirem-se por mudanças e por desejarem uma sociedade mais equalitária, com oportunidades iguais para todos.

E assim, com avanços e recuos nesse aspecto, chegamos aos dias de hoje. A igualdade dos sexos ainda não existe - mas está muito melhor do que há quarenta anos (pudera!). Todavia, por causa disso, tem havido uma corrente no seio feminino (o trocadilho não é de propósito) que, em vez de lutar por essa igualdade, prefere antes defender a superioridade feminina e que "nós somos as maiores e damos abada a qualquer homem que nos apareça à frente, gostamos de foder fazer amor à louca em qualquer parte e aguentamos com tudo o que nos atirem para cima e nós é que precisamos de ter os direitos todos, vocês, homens, têm é de comer e calar porque vocês já mandaram muito em nós!" E tratam de ocupar barbearias onde não é permitida a entrada a mulheres alegando que "o princípio de igualdade deve fazer parte de todo e qualquer serviço ao público" esquecendo-se, porventura, dos ginásios exclusivos para mulheres que existem um pouco por todo o país - e que, se fossem ocupados por algum grupo masculino, cairia o Carmo e a Trindade acusando-os de "chauvinismo", "machismo", "ataque à igualdade de direitos" para além de algumas outras coisas que me estarão a escapar. Da mesma forma que houve um real escabeche por o cientista responsável por aterrar uma sonda no cometa Churyumov–Gerasimenko, em Novembro último, foi obrigado a retractar-se por ter aparecido em público usando uma camisa com meninas semi-descascadas - e há tanta menina que se indignou por isso que, se for preciso, passa os dias no Facebook a colocar fotos de homens semi-nus ou a comprar calendários com bombeiros semi-despidos lá fotografados. Da mesma forma que não vejo protestos pela desigualdade que existe quando se sai à noite para um bar, quando elas têm entrada garantida em qualquer discoteca ou bar e com cartões de consumo mínimo relativamente baixos, ao passo que o homem tem de se sujeitar a uma taluda mais elevada... e a poder ver a entrada barrada, especialmente se for sozinho. E nem sequer vou entrar no conceito das "ladies night"...

Portanto, nos dias de hoje, temos mulheres que querem que os homens caiam de joelhos a seus pés (ainda mais que o que acontece nos dias de hoje) e ao mesmo tempo as devorem na cama, segundo o que de vez em quando surge no site oficial do feminismo em Portugal, onde se reúnem as Marias Capazes desta selva à beira-mar plantada e debitam sentenças sobre o que é "ser mulher" e "como todas as mulheres deviam ser e pensar e agir". Onde se fala de sexo como quem fala do vestido da Kate Middleton - mas onde se abomina programas de cariz sexual em horário nobre, dando um exemplo hipotético.

Sinceramente, há coisas sobre as quais prefiro nem saber que existem - e uma delas é o que seria da sociedade se este núcleo feminista tomasse de facto conta do país ou do mundo. E, ao mesmo tempo, gostava de poder ter um vislumbre dessa realidade alternativa - um daqueles casos de "a curiosidade matou o gato".

E pronto, com estas linhas acabo o texto que me transformará num proscrito e num cadáver. Gostei muito de vos conhecer.

disfunção original de Carlos Loução às 22:09

20.02.15

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Os ânimos andam demasiado exaltados, as redes sociais andam em polvorosa. Porquê? Pois, boa pergunta.

Desde os ataques ao Charlie Hebdo houve quem bradasse aos quatro ventos que, com aquilo, era o fim da liberdade de expressão, que, a partir daquele dia, as pessoas iam ter medo de continuar a dizer o que pensam. Eu, na altura, achei isso um exagero. Todavia, mais de mês e meio depois dessa triste data, cada vez mais acho que esses arautos da desgraça tinham razão. Mas não pelos motivos propagados - e com esse ataque à liberdade de expressão a vir precisamente de quem mais a "defende".

Não sei se a crise em que vivemos anda a mexer com as cabeças da população e elas acabam por precisar de aliviar o stress de alguma forma, mas diria que nos dias de hoje há que se ter muito cuidadinho com o que se coloca nas redes sociais - muito mais do que se tinha cuidado com as conversas nos tempos da PIDE/DGS - sob pena de alguém, Charlie ou não, não gostar, seja lá por que motivo for, e desencadear a partir dali uma campanha de ódio contra a pessoa (ou instituição - mas já elaboro este caso), que ecoa em outras pessoas que alinham pelo mesmo diapasão, sentem-se ultrajadas pelo colocado... e, a partir daí, o infeliz tem a vida feita num inferno, com ameaças a tudo o que ele tem (família, trabalho, and so on). Passemos a um exemplo.

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A mensagem assinalada é de José Gabriel Quaresma, jornalista da TVI24. Vou fazer um leap of faith e assumir que todos nós, nalgum momento da nossa vida, dissemos algo do género, nas mais diversas situações. Não sei se sim se não, mas não interessa. O que interessa é que houve quem visse e não ligasse, houve quem achasse piada e se risse... e, logicamente, houve quem não achasse piada à coisa. E divulgasse. E a partir daí começaram as ofensas, as acusações, as ameaças, os mails para a TVI com o intuito de provocar o despedimento do jornalista - o costume, portanto, quando as pessoas sentem que estão a atentar contra a honra da sua dama.

Depois há o exemplo da Sagres. Como sabeis, nestes últimos dias apareceu uma publicidade da Sagres baseada numa fífia/frango/"o que lhe queiram chamar" de Rui Patrício no jogo Belenenses - Sporting. E, tal como aconteceu no caso anterior, houve quem achasse piada, quem encolhesse os ombros e, claro está, quem ficasse afrontado com aquilo, indignando-se contra "o achincalhamento do titular da Selecção Portuguesa", jurando nunca mais tocar nos produtos da Sagres, inundando os servidores de mail do provedor do cliente - e, até, colocando no OLX grades de cerveja Sagres à venda (a um preço ridículo, mas não importa).

Eu sou daquelas pessoas que acham que a vida é demasiado curta para andarmos aqui a destilar ódio por tudo o que mexa e não siga as nossas doutrinas e reconheço que também já me indignei algumas vezes com situações parvas, mas... qual a necessidade de chegarmos a estes pontos por coisas parvas? O que aconteceu à nossa boa-disposição, ao nosso poder de encaixe? E vamos partir do pressuposto que estas campanhas de ódio fazem valer os seus direitos e conseguem efectivamente provocar o despedimento do prevaricador: o que se ganhou com isso? Ou é a sempre presente Schadenfreude que tanto amamos e veneramos a entrar em cena?

Gostava que me explicassem isso. Mas com desenhos, pode ser que eu perceba assim.

 

PS: quero desde já deixar bem claro: se as situações se tivessem passado com outros intervenientes de outros clubes, as minhas posições seriam exactamente as mesmas, lamento. Quando não gosto das coisas, não as vejo - parece-me simples matemática, certo? Como diz uma amiga minha, "Ser Charlie não é rir de tudo, é só não matar quem não nos faz rir."

disfunção original de Carlos Loução às 11:22

11.02.15

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Ao que parece, "ser-se Charlie" é algo assim tipo interruptor: carrega-se num botão e "somos Charlie", carrega-se no mesmo botão e deixamos de o ser. Isto dá muito jeito quando se toca em assuntos respeitantes à opinião dos outros ou à nossa. Nada que não se soubesse, é verdade, mas tendo em conta os últimos acontecimentos, apeteceu-me puxar este tema mais para cima outra vez.

Isto vem tudo a respeito de um artigo do Expresso onde aparecem a Imbecil Que Acha Que Os Ataques Ao Charlie Hebdo Foram Motivados Pela Austeridade (mas mais conhecida pelo nome de baptismo de "Ana Gomes") e a Imbecil Filha De Adriano Moreira Amante De Paulo Portas (ou, como os amigos lhe chamam carinhosamente, "Isabel Moreira"), que, nos últimos tempos, têm andado num bate-boca digno de um qualquer Rocky Balboa Vs. Apollo Creed. Confesso que isso, a mim, não me aquece nem me arrefece (ou, por outra, até dá gosto de ver duas socialistas às turras e às birrinhas por atenção), apesar de já ter consumido muitos baldes de pipocas a assistir a este "combate".

O que ainda me dá mais vontade de rir é quando o Expresso faz uma foto-montagem em que mete as duas num cenário de jogo de "soco-neles" da década de 90 e aparecem logo "Charlies" - ou seja, pessoas que andaram a dizer que eram "charlie" logo após os ataques terroristas de 7 de Janeiro, que se fartaram de escrever "je suis Charlie" e de defender que a liberdade de expressão e imprensa deve ser sempre respeitada - a condenartanto a imagem como a notícia em que a mesma se incluía. Portanto, os "Charlies" transformaram-se em "terroristas muçulmanos", basicamente.

Sim, eu tenho problemas com isto. Tenho problemas com a malta que diz "temos de respeitar as vistas das outras pessoas" mas depois desatam a atacar os outros assim que alguém dá uma opinião que não se enquadre na opinião geral. Que "temos de respeitar o que os outros dizem/pensam" porque, basicamente, eles dizem/pensam o mesmo que nós: se não fosse assim, essas pessoas estariam erradas e deveriam mudar de opinião para que estejam de acordo connosco.

Nous sommes hypocrites.

 

PS: não sou defensor do nem trabalho no Expresso.

disfunção original de Carlos Loução às 09:59

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