30.10.22

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Há textos em que, assim que os começo, aparece uma vozinha lá no fundo da minha cabeça a gritar, alto e bom som: "NÃO ESCREVAS SOBRE ISSO! ISSO VAI DAR MERDA!" Só que, como o senso comum nunca foi muito o meu forte, eu lá os acabo e publico aqui neste espaço. Por acaso, o primeiro em que aconteceu isso não gerou a celeuma que eu receava (basicamente porque ninguém lê esta merda); todavia, como agora vou dar uma bordoada bem forte num autêntico ninho de vespas, não me devo safar. Bem, olhem, amiguinhos, tive muito gosto, etc e tal.
A nossa sociedade tem-se vindo a alterar ao longo dos anos, fruto da evolução própria das coisas, mas tem sido uma evolução que tem dado errado em diversos patamares. E num deles é a dita questão do ambiente. E começo com uma admissão: sim, o meio ambiente está doente, fruto de centenas de anos de atropelos ambientais com efeitos já a médio e longo prazo que podem colocar em causa a habitabilidade deste terceiro calhau a contar do Sol (e logo agora que descobrimos que conseguimos desviar meteoros perigosos sem ser preciso mandar dois vaivéns cheios de homens e máquinas de perfuração, nem chamar os Aerosmith para fazerem a música de acompanhamento da missão!). Tem-se feito muito mal a este planeta sem se pensar no dia de amanhã nem no planeta que vamos deixar aos nossos descendentes. Até aí, tudo certo.
O problema começa quando começamos a ver a espécie de jihad iniciada por grupos organizados de pessoas contra alvos pré-determinados. Atirar sopa contra obras de arte envergando t-shirts "Just Stop Oil" (Parem com o Óleo, numa tradução rasca)? Colarem-se a carros? Se a ideia é aparecerem nos noticiários de todo o mundo (e em constituírem material para programas humorísticos), parabéns, a manobra é um sucesso, mas em termos de efeitos práticos isso faz zero pelo ambiente. Alertar para os problemas que existem no mundo? Acho que os noticiários já se encarregam disso ("mas esses são controlados pela máquina capitalista e consumista que governa o mundo!", até parece que vos oiço dizer…). Mas não vejo utilidade em servir de "pega-monstros" no Museu do Louvre. A não ser que o objectivo seja mostrar "olhem para mim, preocupo-me tanto com o ambiente que até me colei à Mona Lisa com uma t-shirt da minha organização ambientalista!"
Neste município em que habito e trabalho, é fácil ganhar-se créditos no eco-fundamentalismo: basta dizer-se que se é contra as estufas e contra os eucaliptos. Atenção: não estou com isto a dizer que sou a favor da existência de estufas e de explorações agrícolas em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina; lembro-me de uma reportagem sobre o caso, há meses, talvez na SIC, em que apareceu um responsável do PNSACV a falar e que até dava vergonha alheia só de ouvir, coisinha mais subserviente às empresas não conseguiriam arranjar. Diz-se que a exploração intensiva dos territórios está a matar o sudoeste alentejano, e eu acredito nisso – aliás, fiquei surpreso quando vim a saber que iam ser colocadas ainda mais estufas na zona do Brejão, se não me engano – e que as empresas são responsáveis por imensos crimes lesa-ambiente e contra os direitos humanos, com imigrantes ilegais a serem traficados de Bangladesh, Índia, Nepal, Paquistão e zonas limítrofes para trabalharem nas estufas por cascas de alho. Esse tem sido o segredo mais mal-guardado desde que se descobriu que o Putin era um homicida tresloucado ("Então se vês problema nisso tudo, qual é o teu problema?", perguntarão os críticos). O problema é que enchem-se posts no Facebook cheios de indignação com tudo o que se passa ao redor das estufas, fazem-se manifestações e quejandos… e vê-se poucos ou nenhuns resultados práticos, pois a laboração continua, os migrantes continuam a trabalhar nas estufas, e, de um modo geral, nada muda. Eu juro que, num Universo alternativo, gostava que os mais veementes protestantes contra o actual status quo no PNSACV pudessem ser mandantes e ditar as leis no município sobre o que ao meio ambiente diz respeito. Tenho um palpite que as coisas não se alterariam mormente – mas lá está, não passa de um palpite, pelo que nunca virei a saber se estou certo ou não.
Sobre os eucaliptos, a questão tem sido mais pacata, mas ainda gera celeuma por se plantarem e ainda existirem vastas centenas de hectares de eucaliptal nesta serra, uma vez que o eucalipto causa a seca dos terrenos e é uma árvore sinónima do capitalismo, secando tudo ao seu redor. Nesta questão, lamento imenso mas não consigo ser contra a sua existência no Alentejo. É que o ser-se contra o eucalipto é, acima de tudo, uma questão ideológica: basta dizer "não ao eucalipto!" para sermos considerados pessoas de bem e preocupadas com o ambiente… e ninguém se preocupa na economia da região que depende da existência de florestas de eucalipto, dos operadores de serras que os cortam quando já têm tamanho suficiente, dos operadores das máquinas que os carregam para os camiões, dos condutores de camiões que levam os troncos para as fábricas, dos vendedores e mecânicos de serras que as arranjam quando elas avariam… e dos donos dos terrenos que sempre recebem alguma coisa por venderem os eucaliptos à empresa (os terrenos que não são pertença da empresa, atente-se). Porque qual é a alternativa a ter-se um terreno com eucalipto? Fazer-se um projecto de sobreiros ou de medronheiros, porventura, pois são árvores autóctones. Mas demora tempo até se obter retorno desse investimento (se sobreviver à seca que cada vez mais vai invadindo este Sul), e é preciso limpar-se os terrenos todos os anos (ou a cada dois anos) para que o mato não invada o terreno; depois os donos dos terrenos morrem e os filhos não querem saber daquilo para nada pois vivem na cidade, deixam as propriedades entregues ao mato selvagem ("ao menos é autóctone", direis) e é um piscar de olhos até os terrenos terem mato maior que a altura de um homem e trazerem até à beira dos poucos terrenos habitados bichos selvagens que estragam as culturas… Talvez esteja ver as coisas por um prisma errado: ao contrário de muita gente, não digo que sou o dono da razão, nem tento evangelizar ninguém, apenas debito para aqui ideias minhas (e más, daí isto ser "Disfunções Mentais"); mas gostava de saber quais são as ideias que a malta da brigada ecológica tem para todos os trabalhadores que retiram o seu sustento das florestas de eucalipto. Mandam-se para a rua? Detona-se a economia de uma região onde há pouco emprego em nome da ideologia bacoca que apregoa aos sete ventos que “o eucalipto é mau e deve ser banido para todo o sempre”?
O meu medo é que, derivado da inocuidade de muitos dos protestos que têm sido feitos, se queira passar para o nível seguinte e se comece a orquestrar e levar a cabo atentados em nome do ambiente. Talvez seja uma loucura, admito, mas vejo fanatismo suficiente em alguma gente para imaginar que não haverá problemas em se colocar uma bomba numa refinaria de petróleo, por exemplo, ou numas estufas, para se marcar uma posição bem mais ruidosa sobre o ambiente e causar danos em quem causa danos no meio ambiente.
Voltando à questão dos protestos, é mesmo aí que toda a hipocrisia fica exposta: vemos milhares de miúdos em todo o mundo a carregar cartazes (de papel ou cartolina, mas também umas tabuletas de madeira), a desfilarem rua fora registando o momento nos seus telemóveis topo de gama (feitos em fábricas situadas em países onde a mão-de-obra custa umas cascas de alho, com baterias de lítio, o mesmo lítio que supostamente é tão mau que nem sequer se pode extrair em Portugal porque dá cabo do ambiente, anulando os possíveis postos de trabalho que pudessem vir a ser criados) e partilhando nas redes sociais. O que acontece depois do desfile? Claro, todos os cartazes vão entulhando os contentores do lixo ou ficam abandonados no meio da rua, o que derrota um bocado (“bocadinho”) o propósito de se fazer uma marcha pelo meio ambiente… mas talvez seja eu a ser tacanho.
Admito que às vezes eu próprio faço um protesto ecológico: quando paro o carro à beira da estrada para aquele aliviozinho da bexiga e tenho tempo, paro um bocado para recolher o lixo que se encontra nas redondezas, garrafas de vidro e plástico essencialmente mas não só, e levo-o para o ecoponto mais próximo. É um protesto silencioso e sobre o qual coloco exactamente zero fotografias nas redes sociais – assim falhando o objectivo de parecer que me importo com o meio ambiente. Mas ao menos fico no meu mundinho a achar que tive relevância para ajudar a reduzir um nadinha a minha pegada ecológica. Nós, os malucos, contentamo-nos com pouco.

disfunção original de Carlos Loução às 12:28

15.10.22

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As redes sociais, em especial aquele esgoto horroroso chamado Facebook, são um belo e esclarecedor espelho de como somos um povo fã de aparências, do falar bem e do fazer publicações para o “like”.
Esta introdução serve para praticamente tudo, mas hoje vou utilizá-la para lançar uma questão que me deixa um nadinha azedo (“também ficas azedo com qualquer merda!”), que é olhar para aquelas pessoas que abandonaram a sua terra natal à busca de uma vida melhor, depois vão para os grupos dos naturais dessa terra dizerem-se cheios de saudades da sua terra natal… sem, contudo, voltarem a lá colocar os pés.
Vamos por partes. Nada tenho contra quem teve de sair das aldeias, do Interior, de Portugal, rumo à cidade ou ao estrangeiro em busca de condições de vida dignas, quiçá de constituir família e que, com o passar dos tempos, acaba por se fixar nessa nova terra e tornar-se “natural” dessa terra. É algo perfeitamente normal e natural da condição humana procurarmos o nosso bem-estar, e se não o encontramos nas imediações temos de ir atrás dele. O que me irrita solenemente é olhar para os grupos (ou comunidades, agora…) de naturais e amigos da minha aldeia (ou “da aldeia de onde são os teus pais e que tu adoptaste como tua”) e, a cada publicação que lá é colocada, seja uma fotografia antiga, um vídeo ou a publicidade a um evento futuro, ver pessoas que nasceram na aldeia mas que estão longe a repetirem o mesmo discurso de “minha rica terra tenho tantas saudades do monte onde nasci da fonte onde íamos a água saudades muitas saudades” e que, em 52 semanas que o ano tem, não conseguem arranjar uma que seja para visitarem a terra que os viu partir, nem sequer no período das festas que é o mês de Agosto. Ainda por cima quando nessa altura existem tantas actividades para ocupar o tempo de quem nos visita (e nisso esta minha freguesia é abençoada). Será que as pessoas ganham pontos nisto do jogo da vida se mostrarem que têm “saudades muitas saudades”? Likes claro que ganham, e também uma chuva de comentários “é verdade amigo/a outros tempos que já lá vão um dia temos de nos encontrar” e seus derivados, e claro está que as redes sociais não passam de uma feira de vaidades onde todos nós fingimos ser os maiores da nossa rua mesmo que não tenhamos onde cair mortos, mas… vale mesmo a pena fazer estas figuras? Ainda por cima deixando ao abandono as casas e os montes onde nasceram e foram criados, onde tiveram as primeiras brincadeiras e onde começaram a ser gente? Como é que podemos dizer que temos “saudades muitas saudades” da nossa terra natal e depois deixamos que a casa que era dos nossos pais (e algumas mesmo dos avós) degradar-se e ruir, que os terrenos que dantes eram cultivados fiquem entregues às estevas e às silvas?
Todavia, há ainda um grupo de pessoas que me consegue deixar ainda mais azedo: são os que, para além das características acima referidas, ainda se acham no direito de dizerem aos “pacóvios” que ficaram na terra natal (ou aos que saíram e entretanto já regressaram) como devem viver. Lembro-me de um episódio que aconteceu há semanas, aquando da realização da feira anual da aldeia, em que, entre os comentários pejorativos derivados do facto de as barracas de tendeiros não serem muitas (intercalados por comentários de “saudades dos tempos que a feira tinha gado era uma animação ver os rebanhos de gado saudades muitas saudades” e de “saudades das feiras de antigamente essas é que eram boas o tempo tudo leva saudades muitas saudades”) surgiu uma pessoa a dizer que a feira devia de se reinventar para o século XXI. Muito bem, disse eu, então que ideias sugere para a feira?
*som de grilos*
E é isto. Dizer que “tem de se fazer!”, todos dizem, rasgam as camisas e batem no peito a dizer que amam a terra que os viu nascer mas que depois nem são capazes de dar uma simples ideia para mudar algo para melhor nessa mesma terra. Acrescentam ainda alguns que têm saudades da sua terra… mas de quando esta tinha muitos habitantes. Se se preocupassem em regressarem por uns dias aos seus montes e às suas casas de antigamente, veriam que até temos muita gente, a maioria estrangeiros, é um facto, mas até temos, de tal forma que a escola primária da sede de freguesia tem jovens suficientes para ter duas turmas (o privilégio de se ter uma professora por cada ano escolar continua reservado aos grandes centros urbanos, infelizmente).
Por isso, se têm “saudades muitas saudades” da vossa terra natal, visitem-na de vez em quando, venham matar essas saudades das pessoas que cá ficaram (ou entretanto regressaram), mas não se metam a proclamar que morrem de saudades se não estão a pensar lá voltar a meter os pés na vossa vida, que isso faz-vos parecer um bocadinho hipócritas. Só um bocadinho.

disfunção original de Carlos Loução às 09:13

11.09.22

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Isto de andar metido em projectos musicais faz com que, às vezes, me veja envolvido em situações que, depois, metemos as mãos na cabeça e pensamos "Que raio acabou de acontecer?" Talvez seja mesmo do meu próprio feitio, ou do facto de ser um tanso / ingénuo / …, mas olho para a vontade de certas pessoas se mostrarem, ou sobressaírem à viva força, e pergunto-me se vale a pena tanta coisa.

Isto tudo derivado de uma série de eventos que tem acontecido mensalmente em freguesias de um concelho alentejano. Depois de uma primeira tentativa, há meses, o projecto que integro recebeu um convite para participar na edição deste mês. E aqui cometeu-se um erro: não se respondeu ao mail recebido – não por maldade, mas apenas por uma questão de ir adiando a resposta até que, eventualmente, a correspondência electrónica entretanto recebida faz desaparecer o dito mail. Eis senão quando, para espanto dos actores do Centro, este aparece na programação do dito evento em todas as redes sociais. Depois de uma troca de ideias, e para não manchar o nome da instituição, cede-se e preparam-se as coisas para o grupo habitual comparecer no evento.

Dia do evento. Chegada ao local. Recepção por parte dos organizadores, tudo normal. O grupo, que consiste em dez alunos e dois monitores, é encaminhado para o local onde irá actuar, que não possui qualquer espécie de amplificação sonora e com cadeiras impróprias para quem vai manusear um instrumento musical (ou seja, com braços). Bom, paciência. Corações ao alto, bola para o mato, etc.. Temos à nossa volta um vasto grupo de pessoas, maioritariamente estrangeiros, de todos os tamanhos, feitios e cortes de cabelo. O silêncio que, por falta da amplificação sonora, acaba por ser imprescindível não existe, mas temos pessoas a olhar para nós, à espera do que vai sair dali. E assim começamos a tocar, apesar de os alunos não se conseguirem ouvir de ponta a ponta. E é então que surgem os telemóveis para nos filmar e/ou fotografar – eu costumo dizer que já fui filmado e fotografado mais vezes do que cabelos que tenho na cabeça, mas depois nunca chego a ver esses registos uma vez que, nos dias de hoje e com as definições de visibilidade das redes sociais, os mesmos apenas ficam visíveis para um grupo restrito de pessoas. Os telemóveis que vejo também me fazem pensar um pouco: uma grande maioria das pessoas que ali estão podem ser consideradas hippies, amantes da Natureza, eco-fundamentalistas, que são contra agricultura intensiva, explorações de petróleo e minas de lítio… todavia não se coíbem de adquirir os mais recentes iPhone ou Samsung ou Huawei ou qualquer outra marca de smartphone. Há alturas em que a hipocrisia humana é absolutamente deliciosa.

Mas continuemos. O grupo faz a sua actuação, o melhor possível face às condições providenciadas, e termina sob um coro de aplausos – nada a apontar ao público. Depois disso alguém (com ênfase no "alguém", não sei se da organização ou não) avisa que haverão pizzas para os miúdos, pelo que se espera mais um bocado, dá-se uma volta ao recinto, vê-se os vendedores de produtos locais, conversa-se aqui e ali com uma ou outra pessoa. As pizzas demoram a chegar – uma vez que são feitas artesanalmente e cozidas num pequeno forno – vêem duas a duas e, no total, são cinco… para dez alunos e dois monitores, devo recordar. Obviamente, à medida que as mesmas chegam imediatamente desaparecem. E depois desta fartura, levanta-se âncora, abandona-se o recinto do evento e regressa-se à base. Isto sem que pessoas da organização digam alguma coisa mais, ou sequer agradeçam pela actuação – ou apareçam, tão-pouco. E quando se abala, no palco principal – sim, havia um palco, se bem que do tamanho duma noz – um grupo ligava os seus instrumentos à aparelhagem de som para começar a tocar daí a pouco.

Gosto que haja eventos, estes fazem falta principalmente quando procuram dar vida ao interior. O problema é quando os eventos que se fazem parecem servir unicamente o propósito de meter alguém em bicos de pés, de mostrar que organização X consegue fazer eventos para promover a ruralidade e os produtos e produtores locais, mesmo que estejam lá muito poucos nativos e uma esmagadora maioria de estrangeiros a expor a sua produção vegetariana / vegana / biológica / …. Sabe-se que acaba por ser um reflexo da densidade populacional do interior do Alentejo, principalmente da zona serrana do Alentejo, mas acaba por ficar sempre um sabor de que estes eventos são direccionados para um público que não é o nativo. E, claro está, com a finalidade de servir de rampa de lançamento para promotores de eventos.

Não gosto de coisas feitas apenas para colocar terceiros debaixo dos holofotes. Mas, acima de tudo, não gosto de coisas feitas com tanta falta de respeito para quem é convidado a lá tocar (o que até nem foi bem o caso, uma vez que nunca houve uma resposta afirmativa ao convite que nos foi endereçado). Até porque este tipo de situações acaba por afectar e desmotivar os nossos alunos e deixar piores que estragados os seus familiares. Todavia acaba por servir de aprendizagem para todos – até para nós, que em casos deste género possivelmente iremos ter outra reacção.

disfunção original de Carlos Loução às 12:00

15.03.17

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Sim, mais um post sobre a desertificação.  E então?
Muita gente que habita nas imediações de Lisboa (qualquer grande cidade, na realidade, mas apetece-me implicar com os lisboetas, e agora?) entraria em pânico se precisasse de ir a um supermercado e este se situasse a uns 30 km de distância. Ou se tivesse um problema de saúde súbito que fosse necessário ir às urgências do hospital e estas estivessem localizadas a uns 70 km. E, todavia, existe muito boa gente que vive nessa realidade, em diversas zonas afastadas dos grandes centros de decisão; uma dessas zonas é aqui em que neste momento me encontro, nos confins do concelho de Odemira. Talvez esta fosse a zona a que o ex-ministro Mário "Jamé" Lino aludia quando se referiu ao "deserto". Sim, já sabemos que o interior está despovoado e ao abandono, que as vias de comunicação são de "passagem por" e não de "paragem em", que não há investimento suficiente para fazer as pessoas fixarem-se a estes meios pequenos. Então qual a solução? Deixar-se morrer quem ainda aqui vive e termos "aldeias-fantasma" à laia de atrações turísticas como hoje já temos as ruínas romanas, árabes e pré-históricas? Deixar que tudo isto se transforme num deserto como o do Sahara?
Só que ao mesmo tempo vem o reverso da medalha: como é que se convence alguém a investir nos meios rurais? Qual é a empresa que vai arriscar estabelecer-se num meio com pouca gente sabendo que todos os meios que necessita (matéria-prima, mão-de-obra) se encontram em quantidade insuficiente nas imediações? Só com grandes incentivos do Estado é que pode haver alguém a pensar nisso, o que não é solução, pois os cofres estatais não servem propriamente (ou não deviam servir) para esse tipo de coisas.
Então qual a solução? Pois, essa é que é a pergunta dos 50 mil euros. Mas "deixar morrer" é a solução que mais me revolta...

disfunção original de Carlos Loução às 10:35

18.05.16

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Vou retornar a um assunto que já abordei faz tempo. Bastante tempo, ao que parece. Isto porque em onze anos nada mudou.

Ao longo da história, a freguesia de São Martinho das Amoreiras tem andado a balançar entre dois municípios, o de Odemira e o de Ourique. Eventualmente, acabou por se tornar parte integrante do primeiro. Infelizmente.

Infelizmente porque o “maior concelho de Portugal” possui uma câmara que enche a boca para falar do seu tamanho mas que depois apenas se foca naquela faixa litoral que vai de Vila Nova de Milfontes a Aljezur, pejada de praias e que é um pólo de atracção para o turismo. E, desde os tempos que me lembro, as atenções que a cúpula camarária tem deitado ao restante território têm sido mínimas ou inexistentes – o que levou a que a vasta maioria do concelho esteja, na sua esmagadora maioria, votada ao abandono. E nem mesmo assim as pessoas e partidos que passam pela Câmara Municipal se movem para tentar dar condições de vida às poucas pessoas que ainda habitam nas freguesias interiores do concelho de Odemira. Claro, as aldeias e lugares possuem estradas alcatroadas, luz eléctrica… mas e as pessoas que não habitam nas aldeias e lugares? E quem vive no seu monte? Não é um ser humano como os habitantes do litoral? Não paga IMI como os do litoral? Como se justifica que, em 2016, ainda haja pessoas sem acesso a algo tão básico como a electricidade apenas e só porque a autarquia não está para gastar 50 mil euros para levar a luz à casa das pessoas? Em vez disso, colocou painéis solares nos montes das pessoas que ainda residem nos confins do concelho, o que seria algo de muito justo e nobre e uma alternativa viável… se a luz solar instalada tivesse potência para se ligar um frigorífico ou uma máquina de lavar roupa, ou se fosse possível ter mais do que uma tomada em toda a casa, o que não é o caso. Resultado? Quando há Sol, pode-se estar relativamente à vontade, ver-se um pouco de TV, mas nos dias mais cinzentos ou invernosos tem de se ter cuidado com a racionalização da luz: apenas para a iluminação.

Em Ourique, foi agora concluída a electrificação de duas zonas do concelho, onde foram gastos 75 mil euros no total. No concelho vizinho sempre houve muito a política de fazer, mesmo sem dinheiro (e daí terem acumulado uma dívida brutal, da qual têm estado a recuperar), enquanto em Odemira nunca se fazia porque “não havia dinheiro”; ironicamente, em 2014, a dívida odemirense era superior à de Ourique. Por causa desta diferença de filosofias camarárias é que o nível de vida dos habitantes do concelho de Ourique é bastante superior ao dos de Odemira. Por isso é que, voltando acima no texto, ainda temos habitantes da freguesia de São Martinho sem acesso a electricidade mas com “vizinhos” a um quilómetro que dispõem dessa mais-valia. Da última vez que a electricidade foi espalhada por mais uns montes ao redor do lugar da Corte Malhão, chegou-se ao cúmulo de se levar o cabo à porta de montes abandonados e em estado de ruína… enquanto outras casas habitadas eram ignoradas. E anda-se nesta batalha há mais de vinte anos, com quilos e mais quilos de promessas adiadas, pedidos arquivados, favores esquecidos. Apenas na altura das eleições se garante que “a electricidade vai chegar a todo o lado do concelho”, todavia isso nunca se chega a verificar.

O lema do concelho de Ourique é “por Ourique, pelos ouriquenses”; e o de Odemira, como será? “Pelo Litoral, pelos habitantes do litoral”?

disfunção original de Carlos Loução às 21:05

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Este web-log não adopta a real ponta de um chavelho. Basicamente, aqui não se lê nada de jeito. É circular, c...!
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