29.01.15

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Pois é. Parecendo que não, foi há uns dez anos que comecei a ter um web-log (recuso-me determinantemente a utilizar a designação "blog", acho parvo) e comecei a atirar merdas para o mundo ler - ou ninguém, mais certeiramente, mas a questão não é essa. Na altura, estava pelo Blogspot, e escrevia sobre coisas parvas, que me apoquentavam no dia-a-dia que me rodeava. Achava-me com uma piada tremenda, que tinha um estilo que até dava um livro engraçado. Era um puto de 20 anos, cheio de vontade de vomitar bitaites parvos. Dez anos depois, apenas me apetece dizer: parvo.

Muitas coisas mudaram em dez anos, até mesmo o meu "alias". Quando comecei era "Nettwerk van Helsing", agora passei a ser "Rodolfo Dias" - a parvoíce aliou-se à brejeirice, basicamente. E o endereço também mudou, pois, se estava no Blogspot, passei para o Sapo, e mesmo no Sapo esta já é a segunda encarnação desta xafarica. Mas, como sou um gajo que gosta de acumular tudo, fui sempre transferindo os posts antigos comigo - portanto, se quiserdes, podeis deliciar-vos a recuar no tempo e a ver todos os textos que alguma vez aqui coloquei. Não que o aconselhe, sinceramente. Se calhar é só uma fase, enfim.

Outra coisa que mudou com o tempo foi a atenção que dediquei a isto. Se, nos primeiros tempos, pensava fazer disto quase um diário, a verdade é que passei quase anos em que este espaço ficou ao abandono, onde apenas vinha colocando uma pensagem de quando em vez, tentando ganhar novo fôlego para regressar aos textos - fôlego que nunca chegou. Depois vejo posts de outras pessoas e volto a galvanizar-me. Enfim. Maldito Facecoiso. Maldita alienação desta maldita sociedade. Bah.

PS: por acaso, o aniversário foi mesmo há dois dias. Mas que se lixe. Com F grande.

disfunção original de Carlos Loução às 15:58

15.01.15

Fonte: livro "Viola Campaniça - O Outro Alentejo", do Dr. José Alberto Sardinha, ed. Tradisom

 Se falarmos do nome "Manuel Bento", 99,95% das pessoas lembrar-se-ão imediatamente do guarda-redes de Riachense, Goleganense, Barreirense, Benfica e Selecção Nacional, desaparecido há perto de sete anos. Todavia, há um grupo bastante mais pequenino de pessoas, com ligação à cultura e às tradições do Alentejo, que se recordarão de um homenzinho, originário da Aldeia Nova – aglomerado de casas submerso pela Barragem do Monte da Rocha, perto de Ourique, muito antes de se falar em Alqueva e em deslocalizar aldeias – que se tornou conhecido por ser um fenomenal executante de viola campaniça, a viola tradicional do Alentejo, de quarto ou cinco cordas duplas e que esteve perto da extinção na década de 70 do século passado mas que ressurgiu anos mais tarde graças ao programa “Património” da Rádio Castrense e à primeira edição do livro “Viola Campaniça – O Outro Alentejo”, do Dr. José Alberto Sardinha – mas o assunto e história da viola campaniça é longo, merecedor de um post dedicado exclusivamente a isso.

Voltemos, assim, à vaca fria. Sim, este post é sobre esse Manuel Bento, desconhecido da esmagadora maioria da população portuguesa. O Ti Manuel Bento.

 

Muitos de vós estarão a ler isto e a pensar “porque raio está este gajo a falar de um velhote que toca guitarra viola1 no Alentejo?”. A questão é respondida em duas partes. Em primeiro lugar, porque o Ti Manuel Bento é um baluarte da cultura alentejana, sempre com a sua viola campaniça a tocar, seja a acompanhar cante a baldão2 ou modas alentejanas; e neste aspecto das modas, ele, a mulher, a Ti Perpétua Maria, e o seu tio (apesar de mais novo que ele dois anos), Francisco António Bailão, formaram um grupo que ficará para sempre na memória de todos os que são apaixonados pela música alentejana, que viajou pelo país e além-fronteiras sempre a espalhar a cultura e a música do Baixo Alentejo.

Em segundo lugar, porque o Ti Manuel Bento, último resistente desse trio que me encantou (e continua a encantar, por intermédio de gravações) em moço novo, deixou-nos ontem.

 

Conheci-o em 1998. Na altura, eu era um puto de 14 anos, estava de férias na minha terra (um monte perdido na freguesia de São Martinho das Amoreiras, concelho de Odemira) mais a minha família, com uma viola campaniça oferecida por meu pai. Depois de alguns dias de roda dela, a tentar perceber como funcionava aquele instrumento, o meu pai deu-me a ideia de procurarmos o Ti Bento para me dar umas lições de como tocar na campaniça. Naquela altura, ele encontrava-se no Lar de Ourique após as grandes cheias de 1997 que lhe inundaram a sua casita na Funcheira. Recordo-me que, curiosamente, fomos ter com ele ao cemitério de Garvão, pois havia ido ao funeral de uma pessoa amiga. Falámos com ele, na possibilidade de me dar umas lições de viola campaniça, e logo no primeiro contacto foi mais que evidente a sua simpatia e solicitude para ensinar, para que aquele toque não se perdesse, pois “já só uns velhotes é que tocam isto, quando nós morrermos, acaba-se a viola”. Depois do serviço fúnebre, demos-lhe boleia até Ourique e naquela tarde ele ensinou-me os pontos principais da viola, onde devia colocar os dedos, e regressámos ao monte. Pratiquei e pratiquei e, dias mais tarde, regressei a Ourique para mostrar-lhe se estava a ir bem. Ele nessa altura ensinou-me a tocar a Erva Cidreira, uma moda simples mas que permitia compreender bem os pontos que eu havia aprendido anteriormente. Mais uma vez regressei ao monte, pratiquei e pratiquei e regressei lá uns dias mais tarde, para mais uma aula, levando um rádio com gravador para se gravar mais umas modas – pois as férias estavam a acabar e, poucos dias depois, regressaríamos à urbe. O Ti Bento tocou o Meu Lírio Roxo do Campo e a Mariana Campaniça para gravarmos e disse-me que o essencial eu já sabia, agora era praticar. E foi isso que fiz. Recordo-me ainda que por essa altura eu mais a minha família fomos à missa de um ano da sua mulher e companheira de cante, a Ti Perpétua, falecida em 1997 (obviamente), numa antiga escola convertida em capela na Funcheira. Meses mais tarde, quando fomos de férias lá abaixo pelo Natal, salvo erro, fomos ter com ele novamente, creio que já numa casita apertada na Funcheira, propriedade da CP onde havia sido realojado após sair do lar, mostrei-lhe os meus avanços e ele sorriu, dizendo que não precisava de lá ir mais para aprender, que comigo e com o Pedro Mestre, um rapazito que andava a aprender com o Ti Chico Bailão, a viola campaniça poder-se-ia manter ainda mais uns anos – hoje em dia, o Pedro Mestre é o principal impulsionador da viola campaniça no Baixo Alentejo, com inúmeras iniciativas para incentivar o toque junto dos jovens, conseguindo mesmo ter uma escola de miúdos que hoje em dia já tocam a viola campaniça.

 

Com a morte do Ti Manuel Bento, desaparece o último resistente de uma geração de tocadores de viola campaniça que foi praticamente esquecida nas décadas de 1960 e 1970 e que acabaria, através de algumas coincidências e timings felizes, por estar na base do ressurgimento deste instrumento tão castiço. Uma geração que incluía gente cujo talento era directamente proporcional à sua anonimidade, como, para além dos já citados Ti Bento e Ti Chico, o Ti Manuel Verónica (que Ti Bento jurava ser o melhor tocador que ele alguma vez viu, melhor mesmo que ele próprio), com um estilo diferente do que se ouve nos dias de hoje, ou o Ti António Jacinto Figueirinhas, o primeiro tocador a ser encontrado pelo Dr. José Alberto Sardinha – encontro esse que acabaria por lançar este advogado na rota da viola campaniça, resultando na primeira edição do livro+vinil “Viola Campaniça – O Outro Alentejo”, publicação que acabou por despoletar o ressurgimento deste instrumento. Quero imaginar que, neste momento, o Ti Bento já se juntou à Ti Perpétua e ao Ti Chico e que andem agora a inundar o Céu com modas alentejanas, ou que estará a acompanhar o cante a baldão com cantadores como o António Bernardo, o António do Pinho, o Leonel do Salgueiro, o Ti Cremilde, entre tantas outras vozes que já nos deixaram.

Até sempre, Mestre.

 

 

 


1- Tem sido uma coisa que me tem mexido com os nervos, falarem de “guitarra campaniça”, ou guitarra. Viola é viola, guitarra é guitarra, gaita!

2- Forma de cante a desafio, por norma (mas não obrigatoriamente) acompanhada a viola campaniça. Também seria um bom tema para um post, falar disto.

disfunção original de Carlos Loução às 16:24

14.01.15

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Quem por cá anda a ler-me todos os anos que eu tenho andado a vomitar coisas para um web-log (ou seja, cerca de zero pessoas) sabe a minha posição sobre caricaturas e Islão (tenho é de ver se reponho as imagens...). E, pasme-se: a posição que eu tinha há nove (!) anos mantém-se. Isto de haver gente que decide pegar em espingardas e assassinar outros só porque ridicularizaram uma personagem importante na mitologia de uma religião é perfeitamente estúpido. Até aqui, nada de novo e acho que concordamos todos com isto (excepto os visados, obviamente).

Agora a coisa pia mais fino é quando assistimos ao aftermath dos atentados de Paris, não só em França mas por todo o lado, inclusivamente cá. Vemos toda uma fatia de pseudo-intelectuais a auto-intitularem-se defensores da liberdade de expressão e a brandirem a bandeira do "Je suis Charlie" - mas que, no dia-a-dia, não admitem qualquer crítica ao seu trabalho, à sua forma de pensar ou às coisas que defendem.

Nestes últimos dias, apareceram como "charlies":

  • jornalistas/humoristas/-istas que, nas redes sociais, bloqueiam todos os que acham o seu trabalho ou a sua escrita uma merda;
  • pessoas que nunca ouviram sequer falar no Charlie Hebdo nem sabem de que se trata;
  • pessoas que apenas se preocupam com a liberdade de expressão quando está em causa a sua liberdade de expressão;
  • malta que apenas se intitula como tal porque é "fixe" e porque é a "cena do momento".

(provavelmente alguns dos grupos que referi até poderão ser repetidos, mas diria que há diferenças entre todos eles)

Depois, obviamente, há quem queira fazer aproveitamento político destas coisas, quem declare que o que se passou na redacção do Charlie Hebdo é derivado das políticas de austeridade ou que os media portugueses deviam dedicar-se aos "direitos de um português que está IMPEDIDO de dar entrevistas" em Évora. Nestas alturas, todos os lunáticos saem todos da toca e recebem o protagonismo que anteriormente ninguém lhes dá.

O que não tem piada nenhuma é que, no final de contas, está tudo como dantes, quartel-general em Abrantes. Em França, esse paraiso do multi-culturalismo onde todos são bem-vindos e podem fazer de conta que estão em casa (assim como por toda a Europa, Portugal inclusivé), não se pode interferir com os credos alheios, os franceses têm de adaptar a sociedade para comportar os costumes sócio-culturais dos imigrantes (em vez do contrário que seria, afinal de contas, o mais lógico) e estão sujeitos a sofrer a sua hostilidade por alguma "falta de respeito" - mas se as coisas acontecerem no sentido inverso, existe logo uma sublevação, motins, gente injustiçada a brandir forquilhas contra o "racismo" europeu. Em Portugal, isso também acontece, obviamente: basta ver como as minorias étnicas são tratadas em relação aos autóctones, os privilégios que disfrutam e que gozam que os de cá não possuem. De certeza que haverá quem ache isto "racista" ou "xenófobo"; só que, se eu calhar a ir para um país muçulmano ou hindu, terei sempre de me adaptar às suas regras, aos seus costumes e cultura; porque será que o inverso não acontece?

São assuntos celeumáticos, é um facto. E sei que os europeus também não são flor que se cheire (o segundo milénio está cheio de casos em que forçámos os outros a adaptarem a nossa cultura e crenças sob pena de serem passados a fio de espada ou bala de mosquete). Todavia desviei-me do assunto em questão: a hipocrisia que rodeia o massacre do Charlie Hebdo. E ainda há outra coisa que me esqueci de referir: caso a publicação estivesse conotada com a direita, em vez da sua inclinação actual, cheira-me que o desgosto e revolta com o atentado teria sido muito menor. Aposto o que quiserdes.

Para finalizar: se quisesse armar-me aos cucos, tinha colocado uma imagem do Charlie Hebdo: todavia, preferi antes relembrar a coisa mais parecida com essa publicação que alguma vez existiu: Gaiola Aberta/Fala Barato/O Cavaco/O Moralista, do imortal José Vilhena, esse one-man show que fazia tudo nas suas revistas que inundaram as bancas nacionais após a Revolução de 1974, que teve o sucesso que teve precisamente por a sua prosa encontrar refúgio nos ideiais de esquerda. Alguém adivinha que sucesso teria uma revista satírica se esta fosse fã da direita - mesmo estando nós num país com liberdade de expressão e com tantos araútos a defendê-la?

disfunção original de Carlos Loução às 14:41

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Este web-log não adopta a real ponta de um chavelho. Basicamente, aqui não se lê nada de jeito. É circular, c...!
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