Contra tudo o que me é natural, contra os meus genes , e contra a minha vontade, mesmo, decidi que não vou assistir ao Tour de France deste ano. Porque, mais uma vez, este é mais um dos meus gostos que se corrompeu com o tempo.
Comecei a assistir ao ciclismo internacional ainda no tempo em que tal só se podia ver na RTP2, com os comentários do Marco Chagas; e assisti ainda ás últimas vitórias desse portento espanhol chamado Miguel Indurain, às lutas titânicas contra Alex Zülle, Bjarne Riis e Marco Pantani, à camisola às bolinhas permanentemente presente no corpo de Richard Virenque, às tentativas de Erik Zabel para manter a camisola verde... e, depois disso, surgiram outros nomes: Jan Ullrich, Joseba Beloki, os irmãos González de Galdeano, Mario Cipollini, José María Jimenez, Roberto Heras, Oscar Sevilla, Santiago Botero, Francisco Mancebo, Stuart O'Grady, o nosso José Azevedo, Robbie McEwen, Levi Leipheimer, Carlos Sastre, Ivan Basso, Alexander Vinokourov, Tyler Hamilton, Iban Mayo, Thor Hushovdt, Fabian Cancellara, Tom Boonen, Andreas Klöden, Óscar Pereiro, Michael Rasmussen, Cadel Evans, Floyd Landis, Alessandro Petacchi, Denis Menchov, os irmãos Schleck, Mark Cavendish... e, claro, o inigualável Lance Armstrong. E, ainda na RTP2 ou, mais tarde, na Eurosport, vi e admirei as façanhas desta gente - chegando mesmo ao ponto de arranjar uma bicicleta de manutenção onde pedalava aquando das transmissões televisivas. De ver as quedas, de ver a força de pernas daquela gente, a arrastarem-se montanha acima e montanha abaixo, montados numa bicicleta, fizesse vento, chuva ou calor.
Porém, hoje em dia, a situação é diferente. Devido a uma palavra. Doping.
Desde o escândalo de 2006 que, praticamente, todos os anos há corredores a serem desqualificados à posteriori, classificações que ficam sem vencedor depois dos laureados terem sido apanhados nas malhas do controlo anti-doping. E, para mim, a machadada final foi dada por um espanhol gabarola que, inclusivamente, já foi apanhado nas malhas do doping, mas que, apesar de tudo, continua pelas estradas a vangloriar-se e a competir: Alberto Contador.
Para além de não grande coisa como ser humano (as histórias da rivalidade Contador-Armstrong durante o Tour de 2009 ainda estão bem vivas na memória de todos), a falta de humildade demonstrada nas semanas seguintes à sua primeira vitória fizeram-me desgostar dele como ciclista, eu que até o começava a apreciar. E a história do clenbuterol apanhada durante o Tour do ano passado, juntando-se às dos resíduos plásticos encontrados em amostras sanguíneas do espanhol, só comprovam que, para além de ser um mau ciclista, é um mau desportista. Porém, a Real Federación Española de Ciclismo , depois de ter proposto a suspensão do espanhol, aceitou o seu apelo; e os apelos tanto da UCI e da Agência Mundial Anti-Dopagem continuam por decidir, depois de Contador ter pedido uma extensão de tempo.
E, em Portugal, a situação não melhora. Depois das duas maiores equipas portuguesas (União Ciclista da Maia em 2008, Liberty Seguros Continental em 2009) terem sido varridas do mapa à conta de escândalos de doping, e de termos tido vencedores da Volta a Portugal a perderem o galardão à conta disso mesmo, o meu interesse pela prova máxima do calendário velocipédico nacional é nulo. E, diga-se em abono da verdade, não há muito para interessar ali: uma volta que passa apenas pela zona centro e norte do país, reduzida ao mínimo possível, cortando nas típicas etapas ao sprint do Algarve e Alentejo, do contra-relógio de Portalegre, até duma possível subida ao Alto da Serra de Monchique (que já aconteceu, no passado)... para se centralizar, apenas e só, acima do Tejo - e a edição deste ano apenas entra na zona da Grande Lisboa no último dia e para acabar, pois de resto é tudo "lá para cima". E é este o ciclismozinho que temos.
Por isso, depois do Benfica, eis mais um amor que vai pelo cano de esgoto. Já não restam muitos, já...